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A camiseta do Batman

"De todos os protagonistas de histórias em quadrinhos que acompanhei, o vigilante de Gotham sempre foi meu favorito"

1. Há uns quatro anos, numa dessas lojas estilo C&A, comprei uma camiseta que tenta recriar a obra Marilyn Monroe, de Andy Warhol, série de imagens que mostra o rosto da atriz em diferentes cores. Mas, em vez da celebridade estadunidense, a estampa traz a figura do Batman.

2. De todos os protagonistas de histórias em quadrinhos que acompanhei, o vigilante de Gotham sempre foi meu favorito. O que mais gostava nele era o fato de não possuir super-poderes. Ao contrário do Lanterna Verde ou do Flash, Bruce Wayne precisava ter uma rotina de treinamentos para se manter em alto nível físico e intelectual, mais ou menos o que vemos o Cristiano Ronaldo fazendo hoje em dia.

3. Havia uma revista mensal da Liga da Justiça editada pela Abril que se chamava Os Melhores do Mundo. Lembro de uma história em que todos os membros da equipe foram aprisionados por invasores extraterrestres. Depois de perceber que os caras vinham de Marte, o Homem-Morcego salvou a galera dotada de poderes sobrenaturais com um pouco de gasolina e um palito de fósforo.

4. Tardiamente, li a antológica versão de Frank Miller que traz um Bruce Wayne envelhecido, algo inconcebível no universo dos super-heróis. Encenada por Christian Bale, a adaptação de Chistopher Nolan para o cinema selou minha opinião sobre o personagem criado por Bob Kane em 1939, tanto que me neguei (e me nego) a ver a interpretação de Ben Affleck, o cigano Igor de Hollywood. Outros arcos e versões não me preocupavam, pois o tema já não fazia parte dos meus interesses – pelo menos era o que eu achava até semana passada.

5. Entrei para o grupo dos que colocaram o filme Coringa na pauta da mesa de bar. O trabalho de Joaquin Phoenix levou muita gente a questionar o de Heath Ledher. Claro, há muitas diferenças entre as histórias. A de Nolan mostra um gênio do crime, enquanto a de Todd Phillips, alguém com distúrbios mentais que chega a uma situação limite. Para mim, o que pegou no calo foi outra questão.

6. Nos quadrinhos, Wayne pai sempre era lembrado como um filantropo que ajudava os menos favorecidos. Por um lance errado do destino, acabou sendo vítima da violência que assolava a cidade. No longa de Phillips, há brusca inversão – Thomas é adepto ao discurso meritocrático que considera os mais ricos pessoas de sorte que aproveitaram as oportunidades da vida. Se os miseráveis se incomodam com as desigualdades sociais, são pessoas acometidas pela inveja, gente que não batalhou o suficiente para chegar ao topo. Inevitável pensar que o filho herdaria os valores do genitor e, mais tarde, fantasiado de morcego, desceria a porrada a torto e a direito em possíveis infratores ao invés de distribuir renda.

7. Possuo poucas camisetas que se adequam ao eterno verão araraquarense. Na última terça, a única com coloração propícia aos quase 40 graus de temperatura era justamente a do Bruce Wayne warholiano. Segurando-a nas mãos, passei por uma terrível crise existencial (mais uma) de 300 segundos. Me vieram à cabeça imagens de pessoas trajando peças estampadas com a imagem à Godfather de Jair Bolsonaro. Atrasado (como sempre) para um compromisso, a situação exigia rápida decisão. As outras opções eram todas de tecido preto. Suspirei e acabei vestindo a velha companheira cinzenta – lá fora, o calor era demais.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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