Um movimento organizado majoritariamente por mães e pais de estudantes da rede municipal de ensino, surgido inicialmente nas redes sociais, que hoje já conta com quase cinco mil integrantes, trouxe à tona um debate sobre a irresponsabilidade da gestão pública para um possível retorno das aulas presenciais na rede pública e privada do município. Dentre diferentes ações do movimento, foi entregue ao Prefeito Municipal, à Secretária de Educação e diversos setores da prefeitura, bem como ao legislativo, um Manifesto em que expressam os motivos pelo posicionamento contrário ao retorno. Trago aqui a divulgação do Manifesto:
Manifesto pelo não retorno das aulas presenciais no ano de 2020
Nós, sociedade civil organizada, composta majoritariamente por famílias que possuem filhos matriculados na rede pública de ensino, mas também em escolas particulares, reunidos a partir de um grupo formado inicialmente em rede social, intitulado “Não à volta às aulas em Araraquara 2020”, tornamos público nosso posicionamento em relação a um possível retorno das atividades curriculares e pedagógicas presencialmente ainda em 2020, afirmando que repudiamos, em absoluto, qualquer movimento neste sentido, sem a segurança de uma vacina que possa imunizar e proteger nossos filhos dos riscos à saúde, advindos da vulnerabilidade por infecção do vírus COVID-19.
Com o decreto de pandemia em vigor em Araraquara desde o dia 23 de março de 2020, as aulas presenciais estão suspensas no município em razão do necessário isolamento social, bem como a obrigatoriedade de protocolos de segurança, de saúde pública, higiene pessoal e utilização de máscaras, uma vez que não há remédio ou vacina que previna ou cure o vírus em questão, de alta periculosidade. O decreto ainda permanece em vigor com as mesmas propostas iniciais, no entanto, com o movimento de flexibilização econômica e uma suposta estabilidade de casos na região, começou-se a discussão, por parte da gestão pública, em âmbito estadual e municipal, sobre um possível retorno de aulas presenciais, com protocolos distintos de segurança evidenciados na normativa em vigor.
Sabemos que a saúde pública da cidade se equipou e se estruturou devidamente para o enfrentamento dos milhares de casos que estavam previstos enquanto projeção estatística, tornando-se referência estadual, contudo, as escolas permanecem com as mesmas condições estruturais anteriores, muitas vezes com falta de insumos básicos de higiene pessoal e coletiva e falta de funcionários e profissionais da educação.
Iniciamos nosso questionamento sobre a viabilidade desse retorno por essa questão, considerada central por esse movimento de famílias organizadas. Se já tínhamos uma realidade em que funcionários da educação não eram suficientes antes da pandemia e, portanto, serão insuficientes agora; bem como já sabendo dos protocolos desenvolvidos por setores governamentais para o transporte coletivo ocorrer com segurança, mas que permanecem lotados, mesmo com escolas fechadas, como considerar que haverá contratações de profissionais e preparação estrutural suficientes, que não exponham ao risco nossas crianças?
Conscientes e tendo em mãos os protocolos propostos por autoridades sanitárias, de uma maneira geral, podemos afirmar que tais medidas usuais nada mais são que regramentos comuns inseridos em nosso cotidiano (lavar as mãos constantemente, uso de álcool gel 70%, dentre outros), além do necessário distanciamento e isolamento social. No entanto, também conhecemos a realidade de nossas escolas e da inevitável, e muitas vezes necessária, interação e aglomeração que ocorre em um processo educativo, que envolvem estudantes e professores/as.
Pelos motivos apontados, ratificamos a posição de serem, as aulas presenciais, hoje, uma realidade inviável e irrealizável.
As classes de educação infantil contêm em média 20 alunos por educadora. As turmas não têm sala exclusiva para desenvolvimento de suas atividades pedagógicas, havendo assim um revezamento necessário de turmas em atividades ao ar livre, recreação e atividades físicas. Ainda existe uma piora de cenário quando ocorre um dia chuvoso ou na hora do descanso dos pequenos, onde ficam muito mais que esses 20 alunos por turma dentro de uma única sala, pois se unem turmas para poder otimizar espaço e tempo, ou para simplesmente não ficarem expostos ao tempo chuvoso. Ainda que esses quesitos já fossem suficientes para a discussão sobre a inevitabilidade de aglomeração, ainda indagamos: Como controlar, em distanciamento social, o uso de máscaras e asseio pessoal, crianças que agem, em grande medida, por instinto, demonstram o que sentem pelo toque, em intensidade de relação e convivência com o próximo e em sociedade, e se formam na relação com o outro, nas instituições escolares? É justo que sejam controlados a esse ponto? Traumatizá-los a esse ponto?
Nas escolas de ensino fundamental e médio há 40 alunos por sala de aula, em média. Essas crianças e adolescentes estão em idade que, além do aprendizado de convivência em sociedade, precisam, também por instinto, se afirmar e se reafirmar enquanto pessoa, personalidade, humanos em formação. Por mais que haja orientação de pais, monitoria, regramento, estão em fase ainda mais instintiva que a educação infantil. Como controlá-los a ponto de protegê-los? Como fazer isso em uma fase prévia à vida adulta em sociedade, em um momento de total aprendizado de interações interpessoais?
Ainda devemos ressaltar nossa preocupação com os professores e todos os profissionais ligados à educação e que são e serão envolvidos nesta tarefa de retorno. Estes profissionais também são pais, mães, filhos, familiares, seres humanos que têm medo e também querem se proteger e permanecer vivos. Se na realidade anterior à pandemia já deveríamos os considerar profissionais extraordinários, imaginem agora, depois de sentirmos na pele um pouco de como é difícil essa missão de educar, de alfabetizar, de ensinar, considerando o quanto ela exige dedicação, carinho, amor, paciência. Além de todos esses desafios do processo de ensino-aprendizagem, a realidade agora exige um psicológico ainda mais preparado, pois além da responsabilidade sobre conteúdo e aprendizado comum à escola eles serão ainda responsabilizados por protocolos preventivos de saúde de cada aluno. Isso parece justo?
O decreto de pandemia está em vigência há 4 meses e quando estava prestes a entrar em vigor, por pressão da sociedade, principalmente por pais de alunos que observavam os casos de coronavírus crescer no Brasil, o líder do executivo, prefeito municipal, adiou ao máximo a intervenção, paralisação de comércios e serviços, o que inclui a educação, e se justificou que sabia que não seria uma paralisação de poucos dias e que os pais deveriam se preparar. Hoje, 04 meses após o decreto, as necessidades iniciais para não proliferação do vírus COVID-19 não mudaram, e os riscos são maiores, uma vez que o número de casos confirmados e óbitos em Araraquara e região ainda crescem. O que, portanto, nos levanta questionamentos:
- Qual a motivação para entender que agora é hora de baixarmos a guarda e retornar nossos filhos às aulas presenciais?
- Se havia uma estimativa, sem mencionar relatórios científicos em todo o mundo, sobre a necessidade de longo tempo de isolamento social, por que deixou-se que o ano letivo continuasse sua contagem, quando também é de notório conhecimento de todos que nem todos os alunos poderiam acompanhar, ter acesso aos conteúdos?
- Se havia expectativa de retorno às aulas presenciais antes de uma vacina eficaz contra o vírus, por que não houve uma preocupação de estruturar, paralelamente à saúde, as instituições de ensino para tal retorno?
Por mais que não acreditemos, por todos os argumentos expostos aqui, que qualquer tipo de ação ou protocolo irá ser implementado, modificando radicalmente a realidade da nossa estrutura educacional, já que nenhuma tentativa efetiva a esse respeito foi realizada até o momento, mesmo sendo feito qualquer aquisição de materiais e equipamentos de segurança e saúde, a ciência e outras experiências evidenciam que sem vacina não há segurança.
Nosso objetivo é a segurança de nossos filhos, o que para nós não são cobaias ou números para se submeterem a testes de retorno, que por todo o exposto aqui tende a ter um péssimo resultado.
Estamos organizados pelo direito de defender e lutar pela vida de nossos filhos, para que nossas opiniões sejam levadas em consideração, já que a população deve fazer parte das decisões que afetam sua própria vida, e participar ativamente das resoluções políticas da cidade.
São nossos filhos, e ao menor risco devemos e queremos defendê-los de quem quer que seja e da melhor maneira possível. Hoje, a forma mais contundente é dizendo não ao retorno às aulas presenciais sem vacina, e não vamos abrir mão disso.
Atenciosamente,
Grupo: Não à Volta às aulas em Araraquara 2020