O atual quadro insatisfatório da educação brasileira é resultado de um longo histórico de descaso e de decisões equivocadas, que cobram um preço alto ao país até hoje. Este é o argumento principal do livro O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente, que o jornalista especializado em educação Antônio Gois lança pela FGV Editora.
O autor busca explicar, em linguagem acessível a um público amplo, como, desde a Independência, a despeito de generosas promessas em discursos e leis, foi sendo construído nosso atraso em relação a países desenvolvidos, ou mesmo frente a algumas nações vizinhas. Também analisa alguns tópicos do atual debate público à luz desse passado, tais como o financiamento, a cultura da repetência, a baixa aprendizagem e as imensas desigualdades que continuam marcando a educação brasileira.
Outro tema abordado é o falso mito da maior qualidade da educação pública no passado. A partir de estudos e da análise das estatísticas históricas disponíveis, O ponto a que chegamos traz farta evidência de que o sistema educacional do passado era, na verdade, uma grande máquina de exclusão em massa, que, ao longo de todo o século XX, abusava do expediente da repetência sem que isso resultasse em melhor qualidade. Como mostra o livro, os indicadores de analfabetismo funcional daqueles que terminam o ensino médio hoje são melhores do que os da geração que concluiu esta etapa há cinco décadas, por exemplo.
A imagem romantizada do professor valorizado e bem pago é também contestada, a partir da análise da cobertura dos jornais da época e de pesquisas que investigaram a satisfação dos docentes com seus salários em diferentes momentos.
Se é ainda frustrante constatar hoje que um em cada quatro jovens de 15 a 17 anos não frequenta o ensino médio, é preciso lembrar que esse quadro era muito pior. Na década de 60, por exemplo, apenas 6 em cada 100 alunos que ingressavam no antigo primário conseguiam chegar até o fim do que hoje seria o ensino médio. O principal gargalo do sistema estava na primeira série, onde as taxas de reprovação superavam 50% ao longo de quase todo o século XX, fazendo com que apenas uma pequena elite de sobreviventes chegasse ao final de sua trajetória na educação básica.
"Esta constatação não necessariamente contradiz a memória individual daqueles que porventura lembram do seu tempo de escola com satisfação. Algumas poucas ilhas de excelência existiam, e continuam existindo. O argumento central é que, como sistema, nunca tivemos educação de qualidade", afirma o autor.
A análise histórica da trajetória de nossa educação mostra que o país perdeu sucessivas oportunidades, tanto em períodos ditatoriais quanto em tempos democráticos, de ampliar o financiamento em momentos mais favoráveis. Revela ainda que a concepção de um sistema desigual desde a origem não foi fruto do acaso, mas uma estratégia as vezes até explicitada em documentos e discursos públicos de autoridades.
A profunda desigualdade em nosso ponto de partida, a resistência de elites escravocratas em financiar a escolarização em massa, a inconstância nas políticas públicas desde o Império até a República, além da persistência até hoje de uma cultura que naturaliza o fracasso escolar são alguns dos elementos abordados a partir de estudos nacionais e internacionais.
Apesar de alguns avanços recentes, especialmente a partir da redemocratização do país, o acúmulo de decisões equivocadas ao longo de dois séculos cobra um preço alto para o desenvolvimento do país. Entender nossa trajetória até o ponto a que chegamos é, portanto, parte fundamental do esforço para melhor diagnosticar os desafios do presente e desenhar políticas públicas mais eficazes, evitando soluções simplistas para problemas estruturais complexos.
A obra conta com apresentação do Ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.