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Situação da represa de captação é “extremamente grave”

Em um extenso artigo, o engenheiro Wellington Cyro de Almeida Leite, superintendente do Departamento Autônomo de Água e Esgoto (Daae) de Araraquara afirma que a represa de captação, uma das principais fontes de abastecimento de Araraquara, precisa passar por um novo processo de desassoreamento, menos de dois anos depois da conclusão da primeira etapa do processo, que custou cerca de R$ 1 milhão aos cofres da autarquia.  

Segundo o superintendente, a situação da represa é extremamente grave, “pois a movimentação do solo para as construções a montante da represa produziu um material excedente que foi carreado para os cursos d´água e levado até a captação, assoreando-a, o que acabou por diminuir em 70% a sua capacidade de armazenamento”.

Apesar do desassoreamento recente, feito pelo próprio departamento, será necessário repetir o processo, inclusive por determinação do Ministério Público. Essa nova etapa envolveria custos que podem chegar a R$ 5 milhões, segundo estimativa.

Entre as razões que levaram a situação atual, Cyro de Almeida elenca o uso e ocupação do solo sem planejamento e a descaracterização do Plano Diretor do município, oficializado em 2005, mas que não foi devidamente atualizado desde então, o que afetou “de forma negativa o meio ambiente e a qualidade de vida da população.”

Outra situação discutida pelo especialista no texto é a falta de recursos adequados para os projetos que envolvam o meio ambiente em Araraquara. Desde o início do ano, quando Edinho Silva (PT) tomou posse para seu terceiro mandato à frente do Executivo, o Daae reassumiu a responsabilidade sobre a área, o que obriga o departamento a custear as ações a partir do que arrecada com a taxa de água, esgoto e resíduos sólidos. “A medida é acertada, pois realmente o Daae é uma instituição vocacionada para trabalhar com o meio ambiente”, defende.

 

Leia o artigo na íntegra:

 

O Meio Ambiente em Araraquara: um percurso a ser corrigido

O meio ambiente é tema que está na ordem do dia e vem conquistando espaço desde a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, patrocinada pela ONU e realizada em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972. Nesta reunião já foi debatido o elevado grau de degradação do meio ambiente, acelerado a partir do século XX. No Brasil, esse processo deu-se após a 2ª grande guerra, especialmente a partir da década de 1950.

A questão da degradação ambiental não está solucionada em país algum, entretanto, algumas nações têm conseguido equacionar com algum equilíbrio o problema, criando leis, investindo na educação, para disciplinar as ações predatórias inerentes à atuação humana, em sociedade.

O Brasil, infelizmente, não figura entre as nações que se adiantaram no enfrentamento deste triste cenário; ao contrário, a degradação ambiental no nosso país evolui a passos largos e Araraquara não foge a este perfil.

Nossa cidade, historicamente tem vivido uma ocupação desordenada, que em geral favorece a especulação imobiliária. A construção da Vila Xavier, separada da região central da cidade por uma extensa área de vias férreas, por exemplo, criou uma forte segregação de ordem social, cultural, com dificuldades de mobilidade urbana, de ausência de infraestrutura de toda a sorte, que perdurou por mais de 50 anos. Os mais velhos habitantes do município sabem muito bem o que era morar na Vila Xavier. Processo semelhante ocorreu com o desenvolvimento da zona norte da cidade, iniciado com a criação do Bairro Jardim Roberto Selmi Dei, que gerou a existência de imensas áreas de vazios urbanos e favoreceu sobremaneira a especulação imobiliária. É importante lembrar que os principais prejudicados são sempre os mais pobres, a sofrer com a ausência das mais indispensáveis condições de infraestrutura (saúde, educação, mobilidade e acessibilidade urbana, saneamento básico etc); além disso, sobram os impactos ambientais, cuja solução demandaria elevados investimentos. Como sempre ocorre, principalmente em países que sofreram um processo de colonização predatória, o lucro fica na mão de poucos e o pagamento dos prejuízos causados cabe à maioria. Esse processo de favorecimento de poucos em detrimento de muitos vem se perpetuando ao longo do tempo e precisa mudar.

Em nossa cidade, o uso e a ocupação do solo, como na maioria das cidades do país, foram realizados sem qualquer planejamento. Aqui este processo aguçou-se na década de 1980 e possivelmente isso é o que mais vem deteriorando os nossos recursos naturais nos últimos anos. A partir de 2005, Araraquara passou a contar com um plano diretor moldado em anos de debate, envolvendo toda a comunidade. Conforme o previsto no plano, este passaria por revisões periódicas para aprimorá-lo; infelizmente, em minha opinião, parte desse plano foi descaracterizado, afetando de forma negativa o meio ambiente e a qualidade de vida da população.

Pode-se citar como exemplo a lei de parcelamento do solo a montante da captação das Cruzes, manancial ainda responsável pelo abastecimento de água para cerca de 30% do município, que foi modificada com prejuízo ao saneamento ambiental. O plano diretor de 2005 previa que, margeando os cursos dos ribeirões da cidade (Ribeirão das Cruzes e do Ouro) dever-se-ia manter, além dos 30 metros de Áreas de Preservação Permanente (APPs), mais uma faixa de 70 metros – Corredores de Integração Ecológica (Ciecos) destinadas a parques lineares com equipamentos de baixo impacto ambiental – ciclovias, por exemplo.

Com a alteração no Plano, ocorrida a partir de 2009, reduziu-se o total da área de preservação a 50 metros, gerando notáveis impactos ambientais, hoje observados, e que obrigam toda a população a arcar de forma contínua com os custos envolvidos.

O caso da captação das Cruzes é extremamente grave, pois a movimentação do solo para as construções a montante da represa produziu um material excedente que foi carreado para os cursos d´água e levado até a captação, assoreando-a, o que acabou por diminuir em 70% a sua capacidade de armazenamento. A represa já foi desassoreada há 2 anos, mas o material produzido pelas construções é tanto, que novamente será necessário desassoreá-la – inclusive por determinação do Ministério Público do Meio Ambiente – envolvendo custos que podem chegar a 5 milhões de reais.

Se nada for feito no sentido de disciplinar a ocupação predatória patrocinada pelo mercado imobiliário, os danos poderão ser irreversíveis. Substituir a captação das Cruzes por outros sistemas custará à população de Araraquara gastos na ordem de 150 milhões de reais. Em dias de chuvas torrenciais, a água captada torna-se puro barro, tendo não raro que ser descartada, pois, em alguns casos, é muito difícil fazê-la potável pelos métodos tradicionais. Este é apenas um dos vários exemplos que evidenciam o descaso com que o meio ambiente foi tratado em nossa cidade nos últimos anos. Destaque-se, ainda, que essa ocupação desordenada do solo, em um futuro próximo, poderá acarretar conflitos e disputas pelo uso da água, principalmente no que concerne ao abastecimento humano e outras finalidades importantes para o desenvolvimento da comunidade.

O meio ambiente, portanto, é assunto muito sério, mas que, no Brasil, frequentemente é utilizado como moeda de troca entre a política e o poder econômico, favorecendo a designação e a ocupação de cargos e funções por pessoas completamente despreparadas face à responsabilidade exigida. Muitos falam, por exemplo, em desenvolvimento sustentável e sua prática, mas poucos entendem que isso significa explorar os recursos naturais hoje existentes, sem esgotá-los ou degradá-los para que as populações futuras possam também deles usufruir.

Em Araraquara, hoje, o tema tem vindo à baila com frequência, no noticiário, em debates deflagrados pela imprensa, o que é muito saudável. Nos primeiros anos do governo anterior de Edinho Silva foi criada uma Coordenadoria de Meio Ambiente, que passou a organizar o setor no município, embora fosse ainda frágil a estrutura técnica oferecida, devido, entre outras razões, à falta de recursos técnicos e financeiros para tratar adequadamente do assunto. Os recursos destinados a financiar o meio ambiente, desde aquela época, dependem de projetos exequíveis e bem articulados, que exigem pessoas preparadas e com condições de agregar os elementos necessários para sua elaboração e execução.

Em 2006, o prefeito Edinho designou ao Daae a responsabilidade pela coordenação do meio ambiente, a exemplo do que já havia feito com os resíduos sólidos, a partir de 2003. Foi uma temporada curta a do meio ambiente junto ao Daae, pois, a partir de 2009, o prefeito daquele momento criou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que enfrentou as dificuldades inerentes à área. Sem leis adequadas, sem recursos técnicos e financeiros. Enfim, sem um modelo de gestão adequado, envolvendo os arranjos institucionais necessários, proposições legais e mecanismos de financiamento, além da imprescindível participação popular, por meio de instâncias de fiscalização e intervenção, é impossível cuidar adequadamente do meio ambiente. Reitere-se: o assunto é urgente!!!

Na campanha de Edinho Silva para a gestão atual, um dos destaques era o retorno do meio ambiente ao Daae, conforme ocorreu. A medida é acertada, pois realmente o Daae é uma instituição vocacionada para trabalhar com o meio ambiente, pois já trabalha com a água, recurso precioso e indispensável à continuidade da vida no planeta, que vem sendo irresponsavelmente dizimado, principalmente pelos que detêm o poder econômico e político. Entretanto, é evidente que, estando o meio ambiente sob a guarda do Daae, é quase natural que, não ocorrendo o necessário e esperado debate, parte dos recursos arrecadados com a tarifa de água e as taxas de resíduos sólidos e esgoto estarão, por ora, financiando as necessidades mais prementes do meio ambiente, com recursos do fundo municipal do meio ambiente transferido ao Daae, constituído por multas, além de eventuais doações feitas por pessoas físicas, entidades, instituições etc, e, infelizmente, isso tudo ainda é muito pouco frente às necessidades e custos envolvidos.

A proteção dos recursos hídricos é essencial ao meio ambiente e os principais agentes de sua degradação (o esgoto e os resíduos sólidos), assim como a água, exigem o tratamento adequado. Com isso, se quer dizer que parte dos recursos arrecadados para o tratamento da água, do esgoto e dos resíduos sólidos pode perfeitamente custear parte das necessidades do meio ambiente, além das outras fontes acima elencadas. Todavia, é imperioso lembrar que as questões relacionadas ao meio ambiente em Araraquara devem urgentemente ser debatidas em diferentes espaços, meios e instituições, em especial os ligados ao financiamento dos projetos, dada a complexidade dos problemas envolvidos e os altos custos exigidos.

Diante do que foi exposto, espera-se que este texto sirva como um alerta a motivar um debate público sério e responsável por parte dos nossos representantes eleitos, das instituições envolvidas e da população em geral a respeito do tema meio ambiente. A Câmara Municipal poderia responsabilizar-se pelo desencadeamento deste desafio, convocando a comunidade para o debate democrático e transparente. Só a reflexão e a intervenção consciente é que poderão evitar a repetição do eterno círculo vicioso que favorece a alguns poucos, restando à maioria nada mais que pagar os prejuízos.

 

Wellington Cyro de Almeida Leite

Engenheiro Civil, professor doutor em Saneamento Básico e Ambiental, aposentado pela Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP. Consultor da ONU para o projeto Gestão e Tecnologia de Resíduos Sólidos e atualmente Superintendente do DAAE.

 

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