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Conheça as origens do município de Campos do Jordão

Atual estância turística já foi centro de tratamento da tuberculose

Desde o fim do século XIX, a região de Campos do Jordão (SP) recebe muitos visitantes, em diversas épocas do ano. Mas a atual imagem de turistas em jantares românticos na Serra da Mantiqueira tem pouca relação com um período em que cada um precisava ter os próprios copos e talheres nomeados em restaurantes e hospedarias, para diminuir o risco de transmissão de uma doença mortal.

Naqueles tempos, o clima de altitude era, sim, parte dos atrativos, mas os visitantes o procuravam por um motivo diferente do turismo: tratar a tuberculose.

Considerado terapêutico pelos médicos do período, o clima gradualmente transformou o pequeno povoado “nos Campos do Jordão” em um centro urbano direcionado para receber pacientes em sanatórios, pensões e até residências. Quem resgata esta história é Ana Enedi Prince, na série de livros Tuberculose e História.

O terceiro volume – Estância Climatérica de Campos do Jordão: Sanatórios e Pensões e a Luta contra a Tuberculose – mostra como a região era procurada por pacientes, de vários locais do País e de fora dele, infectados pela Mycobacterium tuberculosis (bacilo de Koch).

Na época, a tuberculose era responsável por quase 70% das mortes por doenças infecciosas no País e, desde 1880, já havia indicação da chamada “climatoterapia” pelo médico Clemente Ferreira, umas das vozes mais ativas na luta contra a doença, inspirado pela medicina germânica e dos tradicionais sanatórios na Suíça.

 

Pesquisas

A série de publicações teve origem nas pesquisas da historiadora durante pós-doutorado realizado na Universidade de são Paulo (USP), A Fase Sanatorial de Campos do Jordão, como fundamento do Desenvolvimento Posterior do Município (1874-1950), com supervisão de José Eduardo Mauro.

Mas o tema já vinha sendo explorado desde sua tese de doutorado, também defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que abordou o período sanatorial de São José dos Campos.

Atualmente, Ana Enedi Prince é coordenadora do curso de História da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), que, em parceria com a prefeitura da estância, recuperou e organizou em arquivo documentos históricos utilizados no estudo. A publicação de um quarto volume, Campos do Jordão e sua Vocação Turística, está prevista para o final de 2019.

A historiadora voltou-se para as circunstâncias que conduziram ao grave estado epidêmico da tuberculose no País, investigando como isso se deu nos dois níveis, estadual e nacional. “O crescimento do burgo de Campos do Jordão se tornou uma consequência do que ocorria nos dois outros níveis, transformando a localidade, pelos seus atributos, em uma expectativa de alívio para os sofrimentos causados pela doença, e até de sua cura”, analisa.

 

Desafios

Recompondo o quadro histórico, a pesquisadora também buscou verificar o grau do conhecimento científico do período e entender como as dificuldades atingiam diferentes grupos sociais, determinando a adoção de estratégias variadas.

Até a década de 1930, não havia uma política preventiva organizada: apesar de representar 69,4% das mortes por doenças infecciosas, não havia sido implementada uma profilaxia contra a tuberculose.

Contra a hanseníase (lepra), que fazia apenas 4% dessas vítimas, já estavam sistematizadas ações profiláticas. “A partir de 1931, o Governo de São Paulo organizou uma estrutura administrativa no campo da higiene, adotando medidas profiláticas para evitar a expansão da doença, ajudando na construção e aparelhamento de hospitais para tratar pessoas pobres infectadas, fornecendo remédios, alimentos e moradias para indigentes”, revela.

Nessa parte da pesquisa, ficou claro como a administração pública e o setor privado uniram esforços. “O combate à tuberculose se fortaleceu com as ações governamentais, a criação de associações beneficentes, a participação de entidades religiosas e leigas, e a organização de ligas de combate à moléstia”, explica a pesquisadora.

 

Estruturação

No segundo volume da série, a autora revela que a estruturação de Campos do Jordão em centro de tratamento envolveu a construção da estrada de ferro (1914) – indispensável para o acesso de pessoas e materiais para urbanização e construção de hospitais – e a criação de órgãos de apoio, como o primeiro Dispensário de Tuberculose, a Associação Evangélica Beneficente, a Legião Brasileira de Assistência e a Bandeira Paulista contra a Tuberculose, todas dedicadas ao atendimento de pessoas sem recursos financeiros que procuravam a localidade em busca do tratamento.

Para esse estudo, foram coletados e analisados dados dos seguintes documentos: “Procedência dos Doentes Atendidos pela Bandeira Paulista Contra a Tuberculose, no período de 1947 a 1955”; “Guias de Sepultamento, no período de 1933 a 1948”; e “Livro de Registro de Doentes das Pensões, no período de 1926 a 1941” , todos localizados no Arranjo Arquivístico do Núcleo de Preservação de Fontes Históricas Locais e Regionais (NUPHIR).

O arranjo foi organizado em uma parceria da Univap com a prefeitura municipal da Estância de Campos do Jordão, tendo José Eduardo Mauro como coordenador e Ana Prince como vice-coordenadora, além da supervisão técnica da professora da USP Heloisa Liberalli Bellotto, especialista em arquivística.

O trabalho se iniciou pela documentação mais antiga, o que foi “necessário diante do estado lastimável em que se encontrava essa documentação”, conta Ana Prince. Incluem-se aí documentos relacionados aos primórdios da instalação da Prefeitura Sanitária, estabelecida em 1926, antes da criação do município, em 1933.

“Essa massa documental remonta à fase em que Campos do Jordão ainda era um afastado povoado, até se tornar distrito de São Bento do Sapucaí. O processo se concentrou neste material até que se esgotasse a documentação em estado precário”, afirma.

 

Documentos

Desse modo, surgiram bem cedo nesses lotes mais antigos de papeis fontes históricas de interesse, relativas às origens do pequeno burgo. Tais documentos foram pacientemente higienizados, restaurados, identificados e armazenados.

Também se mostraram de grande utilidade obras de memorialistas locais e fontes levantadas por esses trabalhos, “com farta citação de documentos, obras e depoimentos colhidos de pessoas e famílias que participaram do processo de formação do centro urbano, bem como mapas antigos, coleções de slides e outros objetos”, detalha a professora.

“Em muitos casos, ao pesquisar as fontes locais, o memorialista também se esforçava para salvar da destruição referências preciosas para a história da região”, explica. O lançamento do volume 4 – Campos do Jordão e sua Vocação Turística, está previsto para o final de 2019, mostrando a transformação do município em cidade terapêutica em cidade turística.

“Meu foco de interesse continua sendo os assuntos relacionados à saúde em geral e, em particular, à história das doenças infecciosas ocorridas nos séculos 19 e 20. Assim, a série poderá comportar, no futuro, novos projetos e resultar na publicação de outros volumes”, anuncia a autora.

 

Transmissão

A tuberculose é uma doença infectocontagiosa da bactéria Mycobacterium tuberculosis e que afeta principalmente os pulmões. A transmissão é direta, ou seja, de pessoa para pessoa. Aglomerações, baixa resistência e falta de higiene são fatores que podem implicar no contágio da doença.

“Estima-se que ao menos 30% da população esteja infectada com a doença, embora nem todos os infectados a desenvolvam. Para causar a primeira infecção a bactéria tem que chegar aos alvéolos, pois se não alcançar os pulmões, nada acontece. Os principais sintomas da tuberculose são: tosse por mais de duas semanas, produção de catarro, febre, cansaço entre outras. Já em casos mais avançados pode aparecer até escarro com sangue”, conta Regina Célia Garcia de Andrade, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo, que também supervisiona o boletim Pílula Farmacêutica, apresentado na Rádio USP.

 

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