O assassinato de Marielle é aquele tipo de surpresa que, no Brasil, é surpresa, mas não é novidade. Um olhar para a linha do tempo nos permite proferir o lugar-comum “a História é cíclica”. Muitos ativistas já foram brutalmente executados por aqui. Na verdade, o alvo dos projéteis são suas ideias. Uma mulher negra e vinda da favela, que assume cargo político e defende os direitos de seus pares, incomoda muita gente ruim.
Esse texto, inicialmente, pretendia-se leve. Tarefa difícil de executar numa semana tão pesada. Ainda assim, tento redirecioná-lo, na medida do possível, ao seu propósito anterior, que é falar de surpresas boas, e não daquelas que nos atingem o fígado e fazem com que percamos a esperança de que dias melhores, em algum momento, finalmente chegarão.
No futebol, costuma-se atribuir o título de elemento surpresa àquele jogador que, sorrateiramente, percorre toda a extensão do gramado para ocupar um espaço vazio na área adversária e fazer o arremate. Para dar um exemplo mais concreto: o Mineiro, que, em 2005, venceu os gigantes do Liverpool e marcou o tento do terceiro título mundial do São Paulo – bons, alegres e distantes tempos.
Não possuo a patente do termo, mas também costumo atribuí-lo a outras áreas que nada têm a ver com o esporte ludopédio.
No quesito músicas tocadas no rádio, o elemento surpresa sofre, atualmente, dura marcação do Spotify, aplicativo que possibilita ouvir a canção desejada a qualquer hora – desde que haja bom sinal de internet. Entretanto, mesmo com toda essa facilidade, nada supera o aparecimento repentino daquela composição que há muito não era ouvida.
Isso pode acontecer numa ida a Batatais pela estrada que liga Araraquara a Ribeirão Preto. Depois do clube Náutico, o sinal da Difusora já chega de maneira decente à antena do carro. Após alguma miscelânea que contemple Charlie Brown Jr, Linkin Park e Blink 182, eis que pode surgir do canavial “No one knows”, clássico contemporâneo do Queens of the Stone Age, fazendo você lembrar-se da época em que passava as tardes vendo clips na MTV.
Esse tipo de situação também ocorria em madrugadas perdidas no Almanaque, quando, lá pelas três da matina, no auge da beberagem, a bandinha de pop rock água com açúcar – que até então só tinha tocado CPM 22 e derivados – resolvia encerrar sua nada memorável apresentação com “Killing in the name”, do Rage Againist the Machine.
Surpresas que também podem acontecer em domicílio, no sofá da sala. Há alguns dias, os canais Telecine estavam liberados para os assinantes NET que não possuem condições de pagar por pacotes em que eles estejam presentes. Enquanto assistia, no Telecine Cult, ao argentino Kóblic – papel principal, claro, do Ricardo Darín, sujeito mais onipresente que a Tia dos Bombons –, comentei com o amigo Wellington, pelo Messenger, que houve uma época em que eu vibraria por ter os Telecines a meu dispor – agora, com o advento massificado do streaming, ver filmes na TV meio que perdeu o sentido. Ele respondeu que ainda gosta da sensação de deparar-se com uma inusitada película, durante o automatizado zapear de canais, e dizer: “putz, esse filme é muito bom.” Tive que concordar. Nada se compara à alegria de topar com Schwarzenegger, no Corujão, mobilizando um exército para salvar sua filha em Comando para matar.
São ocasiões marcantes, acontecimentos que pareciam totalmente inesperados naqueles contextos – como o Mineiro estufando as redes do time inglês. Pequenas alegrias que nos fazem respirar e, momentaneamente, esquecer que figuras públicas são executadas por defenderem aqueles que não têm voz.