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Um bom complemento para o filme da noite anterior

"Não dá pra ser somente racional ou só fazer coisas guiadas pela emoção. É necessário haver equilíbrio – Eduardo concorda que quase sempre é um tanto quanto difícil encontrá-lo."

Eduardo alisa a capa do exemplar recém-adquirido, com tradução de Bráulio Tavares, de Adeus, minha querida, clássico romance policial de Raymond Chandler protagonizado por Philip Marlowe.

Eduardo é viciado em intertextos. Ontem à noite, colocou para rodar em seu aparelho de reprodução de DVDs o filme Carter, o vingador (Get Carter, no original) – lançamento em 1971, direção de Mike Hodges, personagem-título interpretada por Michael Caine. Logo no início, o protagonista aparece lendo Farewell, my lovely, versão na língua inglesa do mesmo romance cujas páginas folheia sem ler, bebendo uma cerveja.

Marlowe está inserido na estirpe dos detetives particulares durões, homens acostumados ao submundo em que trabalham, características compatíveis com as da personagem vivida por Caine, gângster londrino que vai a Newcastle investigar a morte do irmão. Eduardo, sorvendo mais um gole da cerveja, lembra-se de um livro que leu há algum tempo e acabou trocando por outro num sebo de Batatais: Segredos do romance policial, de P. D. James (também renomada escritora de romances de detetive). Ali, há um capítulo (intitulado, se Eduardo não se engana, “Durões por fora, sensíveis por dentro”) em que a autora analisa os detetives do romance policial surgido nos Estados Unidos por volta da década de 1930, sujeitos que, num primeiro momento, são frios e inescrupulosos, mas que, quando colocados em certas situações, revelam-se bem emotivos.

Para Eduardo, que está olhando para a foto de Chandler estampada na orelha do livro, Carter, apesar de ser um criminoso desprovido de piedade, também está inserido nessa categoria. Por questão de honra, ele assume o papel daquele que tentará solucionar o quebra-cabeça. O problema é que a vítima é alguém próximo, com laços sanguíneos. Depois de descobrir o que há por trás da morte do irmão, Carter é tomado pela emoção, passando a agir por instinto e a pensar com o fígado. Aí está a grande diferença, pensa Eduardo, com relação aos detetives de Edgar Allan Poe e Arthur Conan Doyle, cavalheiros que não se envolvem emocionalmente com o enigma que se coloca à sua frente.

Depois de pagar a cerveja, pedir uma coxinha para a viagem e sair do botequim, Eduardo pensa no romance Coração, cabeça e estômago, de Camilo Castelo Branco, ponto fora da curva na obra do escritor ultrarromântico no que diz respeito à crítica social de que é munido (algo recorrente nos romances protagonizados por detetives como Marlowe), em que Silvestre da Silva, o protagonista, desmascara a natureza do comportamento humano quando resolve ser racional (como o Tim Maia já foi) e chega ao fim da vida de modo cômico a partir do momento em que opta por agir por instinto.

Acendendo um cigarro e pegando o rumo de casa, Eduardo pensa que talvez seja o caso de Carter. Não dá pra ser somente racional ou só fazer coisas guiadas pela emoção. É necessário haver equilíbrio – Eduardo concorda que quase sempre é um tanto quanto difícil encontrá-lo.

Ele espera terminar a leitura de Adeus, minha querida ainda nesta madrugada. Acha que será um bom complemento para o filme da noite anterior.

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