Este é o primeiro de uma série de artigos com a pretensão de analisar o contexto complexo da eleição presidencial de 2018. O processo eleitoral que terminou esse domingo (28 de outubro) já é um momento traumático da vida brasileira. Trauma causado por diversas variáveis que compuseram, com cautela e diante de nossos olhos, um cenário que de tão óbvio parecia impossível, a vitória do Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, Jair Messias Bolsonaro como o próximo Presidente da República Federativa do Brasil. Não se trata aqui de exaltar ninguém, mas sim de fazer reflexão madura sobre como chegamos em um resultado que não queríamos e negando o óbvio.
No começo da caminhada eleitoral, antes das confirmações das candidaturas, já se dava como certa a presença de Bolsonaro no pleito, junto de sua conhecida retórica fascista – ou seja, ele não surge do nada. O então deputado, era tratado como o exótico desta eleição. Ao longo do desenrolar do processo político várias foram as afirmações de desprezo – que demonstram a ausência de leitura política – como, por exemplo, “ele não tem história eleitoral”, “não tem partido”, “seu partido não tem recursos”, “não tem coligação”, “não tem nem vice” ou “O PSDB retomará o espaço”. Enquanto isso, Bolsonaro e sua duvidosa estrutura de comunicação iam mobilizando eleitores e elaborando seus dois principais pilares narrativos: o candidato antissistema e antipetista, mas não teria êxito sozinho.
Nessa perspectiva de negar o que já estava em curso, as maiores máquinas eleitorais da Nova República, o Partido dos Trabalhadores e o Partido da Social Democracia Brasileira, dedicaram seus recursos para que pudessem, de alguma maneira, restituir a polarização PT X PSDB. Para isso, deveriam garantir suas indicações para o segundo turno, o PT pelo Campo Progressista e o PSDB pela centro-direita. Então os dirigentes do Partido dos Trabalhadores trataram de atacar, brutalmente, seu concorrente direto: Ciro Gomes/PDT e; o PSDB começou sua artilharia pesada contra Bolsonaro.
PT e PSDB foram contra todas as informações e dados oriundos de pesquisas eleitorais e análises independentes, inclusive as suas próprias, colocando-se como forças políticas que poderiam mudar a realidade. O resultado do primeiro turno não poderia ser outro, com o ataque que sofreu – majoritariamente do PSDB -, Bolsonaro conseguiu instituir o primeiro pilar de seu discurso: ele era o candidato antissistema, era o outsider, era a mudança. O PSDB falhou de maneira retumbante, não compreendeu que suas escolhas, pelo impeachment e por manter Temer, por exemplo, o afastou do eleitorado que sofria e viu em Bolsonaro seu acalanto e, depois de décadas de liderança na Democracia, não foi ao segundo turno presidencial, amargou um quarto lugar no pleito e sua votação para a Câmara Federal foi reduzida em quase pela metade.
Já o PT, foi vencedor na sua tática. Conseguiu frear o crescimento do candidato pedetista, principalmente no Nordeste – não tratarei dos meios utilizados, pois já o fiz em outro artigo. Mas sua narrativa era frágil a qualquer crítica, e só possibilitou a vitória no primeiro ato, o primeiro turno. O PT, apesar de também diminuir sua votação, ainda assim elegeu a maior bancada para a Câmara Federal, no entanto, seu candidato à Presidência chega ao segundo turno com rejeição maior que a do seu adversário – Bolsonaro – tendo ele que, pelo desconhecimento da própria base eleitoral petista, ter “tomado um banho” de petismo. Esse foi o grande tiro no pé, pois tiraram de Haddad a sua principal característica para enfrentar essa batalha: ele é o quadro do PT menos petista. Depois, de forma desesperada e assustadoramente amadora, tentaram reverter, mas já era tarde, “Haddad era Lula”, “Haddad era PT” e “era Haddad na Presidência e Lula no poder” – citando alguns slogans petistas do primeiro turno.
Quando Fernando Haddad/Indicado por Lula (PT) – essa era a forma que o próprio PT usava nas suas pesquisas para medir (e influir) a potência da candidatura – começou a ganhar espaço no diálogo popular, Bolsonaro teria o campo necessário para consolidar seu segundo e derradeiro pilar da vitória: só ele vence o PT; o representante do antipetismo. Quando Haddad entra oficialmente no pleito, Bolsonaro liderava todas as pesquisas, mas não tinha conseguido ainda o fôlego necessário para vencer. Mas, na medida em que Haddad foi se tornando o petismo, o representante de Lula e sua candidatura foi crescendo, exponencialmente, aqueles que não queriam uma nova vitória petista começaram a migrar de outras candidaturas para Bolsonaro e este quase garante sua vitória ainda no primeiro turno.
Toda essa movimentação já tinha sido alarmada por diversos analistas e até mesmo por dirigentes do PT, como o senador eleito pela Bahia Jacques Wagner. Haveria, por parte dos dirigentes, alguma proposta de destravar essa equação favorável a Jair Bolsonaro, mas ao longo do segundo turno o que vimos foi uma campanha sem horizonte programático; com um discurso que dependia exclusivamente de uma única ideia – a luta contra o fascismo -, a qual não é preocupação do povo – gostemos ou não; com um partido incapacitado de abrir diálogo com outras forças políticas, que pudesse ampliar a candidatura e; refém de todas as suas escolhas feitas no primeiro turno.
No fim, Haddad obteve número de votos (47 milhões), no segundo turno, abaixo do que Bolsonaro ainda no primeiro (49 milhões) e viu, sem qualquer reação efetiva, seu adversário, antes tido como o mais frágil, ampliar sua votação sem qualquer esforço político, indo para 57 milhões de votos. Diferentemente de muitos, não acho que Jair Bolsonaro é cria do PT ou do PSDB, mas ambos contribuíram para a narrativa que ele usaria e que era de conhecimento de todos. Bolsonaro é filho da manipulação ideológica – a guerra híbrida que tratarei no próximo artigo – e da ausência do Estado e de consciência política crítica. Persistir na arrogância e na ingenuidade é um erro, precisamos refletir, duramente, sobre todo esse processo e as escolhas “racionais” feitas pelo mero cálculo eleitoral, sem qualquer conexão com o sentimento e o pensar do povo brasileiro. Precisamos compreender o cenário político brasileiro dentro do contexto global, onde eleição não é carnaval, mas sim disputa pelo controle do aparato estatal, de instrumentos de poder. Precisamos abrir mão de convicções e convenções para agirmos de maneira pragmática, sem negação do óbvio e afastamento da crítica, pois só assim iremos defender o patrimônio brasileiro dos interesses alheios, pois é disso que se tratou essa eleição.