São apenas 30 quilômetros. A estadia, na casa dos meus pais, durará mais ou menos 24 horas. Mochila simples satisfaz essa jornada. Cueca, bermuda, camiseta, chinelo, desodorante, escova. É o que levaria uma pessoa normal. Viciados em leitura não se enquadram nessa categoria. Uma ida de Araraquara a Matão pode gerar a mais profunda crise existencial. Qual livro levar? Aliás, muda-se o número: quais livros levar?
Devo dizer que não trato aqui dos inegáveis benefícios da leitura num país que tem dificuldade para interpretar textos, mas das agruras de quem sabe ser a vida muito curta para encarar os clássicos e dar conta dos contemporâneos.
A razão grita: uma visita aos pais não proporciona muito tempo para leitura. Ora bolas, é uma visita. Bebe-se café, come-se bolo, coloca-se o papo em dia. Finjo-me de surdo: projeto universos improváveis em que fico à toa, sem nada para ler. Armo-me, então, contra o inimigo que não virá. A situação é absurda, mas a escolha dos títulos tem sua lógica (talvez).
Nos últimos dias, tenho priorizado contistas. Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Sérgio Sant'Anna. Na pegada das formas breves, achei que o conciso Murilo Rubião seria boa escolha (e foi). Rubião me lembra José J. Veiga – "Os cavalinhos de Platiplanto" foram pra mochila. Falando em concisão, o primeiro volume dos contos de Hemingway (traduzidos por Veiga!) não poderia faltar. No Kindle, um romance parrudo, caso houvesse a necessidade de algo mais caudaloso: "Guerra e paz" , de Tolstói – se não der conta de ler os grandes clássicos, pelo menos estarei, ainda que em formato e-book, acompanhado por eles.
Satisfeito com minhas escolhas, ao chegar em Matão, descobri que tinha esquecido a escova de dentes.