É impossível falar sobre uma tragédia sem antes relembrar a história que eu acompanhei desde o momento em que me conheci como pessoa, cidadão.
Vivi no tempo da palmadinha, meu pai trabalhava o dia todo e não diferente disso, minha mãe também. Minha irmã mais velha era quem tomava conta dos outros 4, incluindo eu.
Era uma época de inflações batendo quase 500% ao ano, o que se ganhava hoje para comer não era a certeza de compra amanhã. Meus pais não davam nada além do necessário, refrigerante era luxo e carne “bife” era uma vez por mês.
Na escola minha aparência não ajudava (e não favorece até hoje). Baixinho, narigudo, magrelo e com o sobrenome Bonholi. Alguém faz ideia do quanto eu fui "zuado"? Ops! Vou traduzir: sofri bullying.
Vivíamos na Avenida Faustino Ramalho, na famosa Vila Galvão por onde passava o trem da 11h (da música). Era um bairro muito eclético, na rua brincava todo mundo junto e ninguém estava nem aí pra cor de pele ou para as diferenças financeiras. Era pipa, pião e bolinha de gude.
Brinquedo bom a gente via com o Alexandre das Neves, amigo da rua que hoje é dono de restaurantes no Mercadão Municipal de São Paulo, brincávamos todos juntos. Um virou taxista, outro empresário, amigos de molecagem de caçar rã no brejo e descer de papelão o gramado da Escola Estadual Professor Fabio Fanucchi, sempre a mesma galera. Lembro-me do “capote” que o “Alequinho” tomou, cara gente boa. Fiquei sabendo depois que ele escolheu outros caminhos e hoje é conhecido como “Pequeno” nos meios policiais.
Com 8 anos eu queria me virar. Aprendi que se quisesse alguma coisa diferente do necessário fornecido pelos meus pais, esse seria o caminho e não parei até hoje.
Araraquara é uma cidade difícil para quem vem de fora, ainda mais em 1990 quando me mudei para cá. Sotaque paulista, manias estranhas aos moradores da cidade, na escola com 15 anos foi difícil me adaptar e novamente fui zuado e várias vezes escutei a celebre frase “vou te pegar na saída”.
Casei aqui, me divorciei aqui, meus três filhos nasceram aqui, me tornei policial militar aqui e por fim hoje estou trabalhando como jornalista.
Mas por que toda essa história? O que tem a ver com as agruras dos dias de hoje?
Bom, minha vida não era muito diferente de mais de 80% das pessoas com a minha idade. E não me lembro ou encontrei registros de casos extremos de violência como nos últimos anos.
Minha geração foi a última a criar uma casca grossa, depois disso erramos em não colocar regras claras, e punir quando elas não são cumpridas. Resolvemos nos tornar amigos de nossos filhos e com isso perdemos a mão.
De 1990 pra frente, resolvemos criar uma redoma ao redor de nossos filhos e junto a isso, tivemos o advento da internet e da convergência de tecnologias até que o mundo coubesse na palma da mão.
Hoje temos uma geração de imediatistas, mimados, criados a base de direitos e sem conhecimento nenhum sobre seus deveres. A redoma high tech causou um efeito ainda mais devastador e destrutivo, hoje não há homem com casca grossa, carapaça necessária para receber as porradas sentimentais da vida e ainda sem noção da realidade.
O sentimento de posse de poder, faz com que um fim de namoro se torne uma ferida incurável capaz de causar a morte. A depressão e o suicídio entre os jovens se tornaram algo comum.
Suzano dói!
Mas vale lembrar que em:
2002 – Aluno mata colega e fere outra em Salvador com uma arma
2003 – Ex-Aluno de 18 anos atira contra alunos em Taiúva
2011 – Menino de 10 anos atira contra professora em São Caetano
2011 – 12 mortos em massacre de Realengo
2012 – Dois jovens atiram em 3 alunos em João Pessoa
2017 – Garoto de 14 anos mata 2 e fere 4 em escola em Goiânia
2018 – Aluno de 15 anos atira contra colegas em escola do Paraná
2019 – Dois jovens invadem uma escola atirando, matam 7 pessoas e se matam
Depois dessa triste realidade, devemos informar nossos filhos e jovens, que diferente do Vídeo Game, essa vida não tem como reiniciar.