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Sem crises existenciais

Musculação sempre me lembra os contos “Fevereiro ou março”, “A força humana” e “Desempenho”, de Rubem Fonseca (sempre ele)

1. Gosto muito de esportes. Mais de assistir que praticar. Levantar do sofá e ir à academia sempre foi um tormento. Tive um colega de trabalho que dizia passar duas horas no recinto dos supinos. Era como se fosse seu ponto de encontro com a galera. Entre uma série e outra, a resenha colocada em dia. Inconcebível para quem sempre elegeu o bar como agregador social.

2. Mesmo não gostando, sou dos que, atendendo a recomendações médicas, devem exercitar braços e pernas em aparelhos. Por culpa da minha pouca disposição, passei por várias instituições. Já tive até meu momento crossfit. Uma lástima: a coluna não suportou.

3. Musculação sempre me lembra os contos “Fevereiro ou março”, “A força humana” e “Desempenho”, de Rubem Fonseca (sempre ele). Se pudermos chamar assim, trata-se de uma série protagonizada pela mesma personagem, halterofilista que deambula pelas ruas do Rio de Janeiro, sujeito que não está inserido em nenhuma das camadas convencionais da pirâmide social. Transita entre elas, sobrevivendo de bicos. Na academia, parece castigar o corpo não apenas para obter bons resultados musculares, mas para abafar a melancolia sentida por quem não tem nenhum plano ou objetivo.

4. Hoje em dia, faço algo mais leve, nada parecido com os treinos pesados do protagonista fonsequiano, duas vezes por semana, o suficiente para aliviar a crise existencial causada pelo sedentarismo. E posso dizer que, em termos de local para interação, estou mais próximo do que sentia (provavelmente ainda sente) aquele colega de trabalho.

5. Meu horário é sempre o último, quando, além de mim, apenas mais três pessoas dedicam-se à prática esportiva, Bruno e Juninho, professores e César, aluno. No passado, já fomos parceiros de corrida de rua. São sujeitos com boa memória futebolística. Pode-se dizer que nossas conversas são saudáveis competições enciclopédicas. Estamos sempre tentando lembrar o nome de jogadores que prometeram muito, mas acabaram caindo no esquecimento – hoje, por exemplo, vi a imagem de uma edição da Placar do ano 2000; na capa, Fábio Simplício, excelente meio-campista que, depois de sair do São Paulo para o italiano Parma, nunca mais foi visto.

6. Quem lê minimamente notícias, mesmo não tendo o futebol como prioridade, sabe que o Tricolor Paulista passa por uma década terrível. Nesse período, muitos jogadores tentaram, em vão, a glória de contribuir com alguma conquista. Um dos que mais prometeram certamente foi João Schmidt.

7. Schmidt é daqueles raros volantes canhotos que se assemelham em habilidade ao saudoso argentino Fernando Redondo. Sua melhor fase no São Paulo talvez tenha sido em 2016, quando fez parte do time que, mesmo desacreditado (fato recorrente), chegou às semifinais da Libertadores e foi eliminado pelo Atlético Nacional da Colômbia, esquete que levantaria a taça. Se minha memória não estiver me enganando, por influência de seu empresário, foi negociado com o Atalanta (Itália) logo depois da eliminação. Hoje, desfila sua habilidade pelos campos japoneses: defende o Nagoya Grampus.

8. Meio que inspirado por Jorge Luis Borges, imagino realidade em que João Schmidt tem seu talento devidamente reconhecido. Depois de período em terras nipônicas, volta para reforçar o cambaleante meio de campo são-paulino, instruído por um certo Rogério Ceni que grita na beira do gramado. Saídas de bola precisas guiam nosso time a seguidas e não mais raras vitórias. Eu, feliz, indo à academia todos os dias da semana, meu novo ponto de encontro com a galera, sem crises existenciais.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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