Já se estende por várias semanas o debate público sobre o não retorno das aulas presenciais em Araraquara. No início de agosto, um conjunto de famílias se organizou e criou um grupo nas redes sociais, que hoje conta com milhares de pessoas inscritas, escreveu manifesto entregue a várias lideranças políticas e movimentou o debate nos meios de comunicação do município e em âmbito regional, solicitando um posicionamento da prefeitura municipal e afirmando a posição pelo não retorno das aulas presenciais antes da vacina.
O tempo vem passando e, por mais que várias cidades da região já tenham definido que o ano letivo de 2020 permanecerá por meio remoto, e ainda que a sociedade tenha se organizado a respeito, e feito enquete nas redes que identificou que 97,66% das famílias são contrárias ao retorno presencial, a prefeitura municipal ainda deixa em aberta a decisão.
Esta semana um comitê de estudos, cujo objetivo não é o de decidir pelo retorno ou não das aulas presenciais, mas de estabelecer ações e protocolos de segurança para o retorno, iniciou seus trabalhos. Dentre as ações apontadas e os protocolos de segurança previstos, tais como o de repensar a substituição de bebedouros por garrafas próprias, está a de reforma das escolas, com abrangência de salas, a fim de que as crianças possam ficar menos concentradas.
Pois bem, pergunto: se há um comitê em pleno funcionamento para estabelecimento de protocolos, significa que a opção pelo retorno antes da vacina é viável por parte de nossos governantes. Em Manaus, após 20 dias de retorno das aulas presenciais, a cidade já contabiliza o número de 342 professores infectados.
A irresponsabilidade por essa opção será notoriamente uma tragédia. Não é porque parte da sociedade não respeita as regras de isolamento social, frequentando bares e praias, que as decisões institucionais devam seguir a mesma premissa. A decisão da política pública deve ser, sempre, a favor da preservação da vida.
Sobre as possíveis reformas, pergunto: Qual a viabilidade, de fato, de reformas estruturais em tão pouco tempo? Quanto custarão? O dinheiro vem de onde? Pudemos observar reformas em escolas municipais durarem dois anos até que se concluíssem, como supor que reformas em todas as unidades ocorrerão de maneira tão ágil? Não me parece uma previsão viável.
Como mãe e professora, o que eu gostaria de ver, com esta comissão que conta com representantes que vem dispendendo tempo, esforço intelectual e até mesmo exposição de sua própria vida, debates na esfera do futuro, com vidas seguras, não na previsão de como se machucar menos pulando do abismo.
Nesse sentido, essa comissão poderia pensar um planejamento do ano letivo de 2021. Será preciso a formulação de diagnósticos da situação de cada criança, no sentido pedagógico e emocional, e será necessária a reinvenção de políticas públicas. Não será possível deixar pra se recuperar tantos prejuízos apenas depois que eles forem sentidos no dia a dia escolar. Será tarde demais e, aí sim, os estudantes terão mais um ano acumulando prejuízos de ensino e aprendizagem. Uma boa política pública se antecipa, não enxuga gelo derretendo.
O que estamos assistindo com a postura da prefeitura, que declara, via sua secretária de saúde, não ter condições para o retorno, mas que nos bastidores opera para a viabilidade dele, uma vez que o mantém possível e em operação, é uma decisão política de irresponsabilidade, tanto com as pessoas, como com a economia.
Se a preocupação é com a iniciativa privada, também é possível se antecipar na formulação e implementação de medidas que supram essas demandas, inclusive as de empreendedores do setor educacional privado, ao invés de deixar a todos na incerteza, sem que se tomem ações decisórias. Além disso, a boa política também prevê as famílias com crianças, como vêm se organizando com as escolas fechadas e como a política pública em rede atua em seu resguardo e auxílio. Uma opção pelo retorno em dias alternados não resolve o problema das famílias com trabalhadores, que saem todos os dias da semana para sua atividade laboral, contando com ajuda externa para o cuidado dos filhos.
As boas escolhas da política municipal, no que se refere ao atendimento rápido dos positivados pelo coronavírus, definitivamente, não se refletem nas escolhas pela prevenção e, se Araraquara não decidir logo pelo não retorno das aulas presenciais em 2020 e se programar para o ano letivo do ano que vem, iremos não apenas assistir uma tragédia de vidas, mas também uma tragédia educacional. Criança tem que brincar, mas política pública não.