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Clientes exigentes

Só se fala de Copa do Mundo. Mas talvez valha a pena escrever sobre outra coisa.

Na beira da estrada que liga Araraquara a Bueno de Andrada, vi um outdoor com a seguinte mensagem: “viva o real" – ou algo parecido. Era a propaganda de um clube (não sei se é correto chamá-lo assim) de paintball, tipo de jogo em que os participantes são divididos em grupos e, empunhando fuzis que disparam bolas de tinta (tradução direta do nome da brincadeira), têm como objetivo “matar" os competidores da equipe adversária.

A promessa de emoções próximas da realidade me lembrou a série Westworld, produção do canal HBO que está na segunda temporada. Ali, vemos um parque que tem como tema os filmes de faroeste. Os visitantes que pagam para estar no recinto interagem com seres que se aproximam muito, em termos de aparência e trejeitos, do homo sapiens. Cada anfitrião (nome dado às inteligências artificiais) representa uma possibilidade de narrativa. De acordo com a aventura que escolher, o cliente pode praticar, tranquilamente, atos que são passíveis de punição no mundo real – os escolhidos com mais frequência são o assassinato e o estupro.

O criador do referido outdoor foi esperto e farejou grande possibilidade de lucro. Basta ver, nas redes sociais, que as pessoas estão sedentas por sangue e precisam, de alguma maneira, canalizar sua ansiedade.

Outro indício para o sucesso desse tipo de empreendimento é que um candidato à presidência que defende o armamento da população está entre os que lideram as pesquisas de intenção de voto. Se vencer as eleições, pode ser que não seja mais necessário pagar para brincar de polícia e ladrão.

Antonio Candido classificou como ultrarrealista um tipo de literatura em que personagens morrem como num jogo de video game – tomando as artes sequenciais como referência, podemos pensar nos roteiros da série Game of Thrones ou dos filmes dirigidos por Quentin Tarantino. Talvez ele não imaginasse que o termo pudesse, um dia, ser aplicado à vida cotidiana.

Na semana passada, em São Paulo, um cobrador de ônibus, depois de discutir com uma passageira, chegou à conclusão de que seria bom enfiar uma faca no pescoço da moça e terminar com sua vida.

Pelo andar da carruagem, o publicitário que pensou naquele outdoor deverá, em breve, usar muito mais sua imaginação para conceber algo que satisfaça plenamente as exigências de seus clientes.

Murilo Reis

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