Início blog Deixar a criança crescer

Deixar a criança crescer

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço da lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela Chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transporta-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu leva-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça: – Não há nada a fazer, Dona Coló. Esse menino é mesmo um caso de poesia.

 

Carlos Drumond de Andrade

 

Essa é uma questão que incomoda muitos pais. Deixar que seus filhos cresçam. Porque eles acham que estão perdendo algo. Que o vínculo que o ligava através do cordão umbilical está sendo perdido. E, muitas vezes, não sabem como lidar com essa dor.

Você já sentiu a dor do rompimento do cordão umbilical que nos une ao nosso filho? Eu já. Com cada um deles. E, posso dizer por experiência própria, foi penosa.

Porque não acontece de uma única vez. São várias rupturas que ocorrem em diferentes fases. A cada vez que eles crescem mais um pouquinho.

E essa parece ser uma questão muito difícil de ser reconhecida, e até mesmo refletida, pois a sociedade contemporânea cobra de nós a produção de crianças independentes, que desde muito cedo saibam “se virar” sem a ajuda de um adulto. Ao mesmo tempo, essa mesma sociedade produz muita violência que nos causa grande insegurança.

Assim, esse processo de rompimento de um vínculo físico para a construção de uma relação sólida e duradoura torna-se um processo doloroso e difícil. Pois cria a necessidade de proteger nossas crianças contra qualquer perigo ao mesmo tempo que impõe a necessidade de independência, que pode privar de aprendizagens necessárias.

Não são poucos os adultos que manifestam o medo de que a criança “se machuque” brincando na rua, na praça, na casa de outros amigos, e etc. E acabam optando por brincadeiras solitárias sem interações sociais. Não estou aqui dizendo que é ruim para a criança ter momentos de introspecção, de brincar sozinhas, pois essas produzem inúmeras aprendizagens sobre si mesmo, sobre aquilo que gostam ou não, ensinando a criança a refletir. Nesses momentos a leitura é uma ótima pedida. Disponibilizar às crianças gibis e livros de história desde cedo, contribui na formação de adultos críticos. Mas, ai vale um alerta, preste atenção ao conteúdo que o livro trata, leia com a criança, crie o hábito de contar histórias e depois converse com elas. Procure saber o que ela “entendeu”, problematize os personagens, faça a criança refletir.

Por outro lado, é interessante que a criança tenha outros tipos de brincadeiras, para que ela aprenda a se socializar com outras pessoas. É muito importante para a sua formação, brincar com os familiares adultos, brincar com outras crianças. Pesquisadores tem apontado para a importância da interação da criança com outros seres humanos para a produção de aprendizagens significativas. Para o psicólogo Lev Vigotsky, que foi um pioneiro no conceito de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função de suas interações sociais, a criança produz sua humanidade (aprende a ser humana) na interação com outros seres humanos. Através desses contatos, a criança irá aprender a falar, a andar, a brincar entre outras aprendizagens. Ela também vai perceber qual é o significado socialmente produzido para cada objeto, pois o sentido que é dado as coisas é elaborado pelas pessoas que os usam. Por exemplo: ao oferecermos pela primeira vez uma colher para uma criança comer, ela ainda não entende o que é e para que serve aquele objeto. Assim, em um primeiro momento, ela vai atirar no chão a colher e observar, na sequência, o adulto recolher. Através dessa observação ela vai pensar que esse objeto é para ser atirado no chão, e vai repetir isso inúmeras vezes, até que o adulto segure a colher entre os seus dedinhos, conduza até o prato, pegue um pouco de comida com a colher e a leve a boca da criança. Ela vai precisar repetir várias vezes esse processo até compreender que a colher é um objeto (instrumento) que a ajuda a se alimentar. Ela vai apreender a função social da colher. Da mesma forma, ela irá precisar aprender que cadeira é para sentar, a cama para deitar e assim por diante.

A criança não nasce sabendo essas coisas. Ela vai aprender observando e imitando o que os adultos fazem. Ela precisa produzir experiências, brincando com os objetos, para dar sentido a eles.

Na relação com outras pessoas, a criança vai aprender, além dos sentidos dos objetos, comportamentos sociais. Esperar a vez, esperar que o outro também brinque, respeitar o espaço do outro. Ganhar. Perder. O que pode e o que não pode. E essas aprendizagens ocorreram de forma muito mais significativas, por meio do brincar. A criança brinca e aprende comportamentos, regras, desenvolve a memória, a atenção, a imitação e a imaginação. Além disso, se desenvolve integralmente, envolvendo os âmbitos sociais, afetivos, culturais, cognitivos, emocionais e físicos.

Para Vigotsky, o brincar de faz de conta proporciona a criança oportunidade para realizar experiências com o mundo. Nesse contexto ela irá construir suas percepções, se expressando e dando novos sentidos ao mundo. A criança consome cultura, mas também a produz.

Por isso, devemos considerar a importância de a criança estabelecer relações com outros indivíduos. Para aprender sobre si e sobre o mundo. E, ao permitirmos que façam isso, não estamos perdendo espaço na nossa relação com eles, mas construindo uma relação mais forte e saudável.

A partir de sua entrada no mundo, a criança começa a estabelecer relações ou vínculos com muitas outras pessoas ao seu redor, primeiro no âmbito mais doméstico depois, ampliando seu mundo, no espaço escola. Essas relações iniciais possibilitarão, a essa criança, olhar para o mundo de uma forma mais positiva ou negativa, de acordo com o nível de atenção e confiança que for produzida nela. A mãe ou ao responsável cabe o papel de zelar por essa criança, se certificando que as interações que foram produzidas por essa criança sejam benéficas a ela.

Visto que as experiências vivenciadas na infância vão produzir as aprendizagens que irão acompanhar o adulto por toda a sua vida.

Ana Magnani

Sair da versão mobile