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Filosofia inútil de boteco

"O tempo não para, já disse e continua dizendo Cazuza. Acho que única coisa capaz de congelá-lo é a câmera fotográfica. Ela paralisa uma fração de segundo para sempre, o fragmento de um todo."

Se você, impaciente leitora, mal humorado leitor, não gosta de filosofia inútil de mesa de bar, sugiro que não continue a leitura desse texto. Caso contrário, sigamos.

No capítulo LIV de "Memórias póstumas de Brás Cubas" , o defunto-autor reflete sobre a passagem do tempo materializada no pêndulo do relógio. Depois de saborear os beijos adúlteros de Virgília, o narrador personagem olha para os minutos que se passam como se fossem ganhos, e não perdidos. É a euforia causada pela droga do Romantismo correndo por um breve momento pelas veias de nosso herói realista.

O tempo não para, já disse e continua dizendo Cazuza. Acho que única coisa capaz de congelá-lo é a câmera fotográfica. Ela paralisa uma fração de segundo para sempre, o fragmento de um todo.

Fotografar já foi coisa séria. As pessoas pensavam na claridade do ambiente, analisavam as circunstâncias e compravam filmes para cada situação – errar em alguma dessas etapas significaria perda total de lembranças. Hoje, paralisa-se o tempo a torto e a direito.

A pergunta que lhe faço, leitora ou leitor que ainda continua por aqui, é a seguinte: qual o valor do tempo? Acumulamos trabalho para aumentar nossas rendas, para preencher o vazio de nossas existências. Com o quê?

No filme "Clube da luta" , Tyler Durden é taxativo: as coisas que possuímos acabam nos possuindo. O celular da nova geração, o carro do ano, a roupa da marca vestida por Gisele Bündchen. Temos cada vez menos tempo porque queremos mais dinheiro para comprar algo que logo será substituído pelo próximo desejo imposto pelos criativos Don Drapers da propaganda.

Depois da Copa do Mundo e das Eleições, dos bate-bocas sobre o comportamento de Neymar e a respeito do desempenho de Gabriel Jesus, das sangrentas discussões com a tia fascista e o primo petralha, o Natal chegou. O pêndulo do relógio é alheio ao futebol e à política. Implacável, passou sobre 2018 como um rolo compressor. O que resta é fazer mais ou menos as mesmas reflexões de Brás Cubas: as horas investidas em insultos proferidos contra quem pensa diferente de nós foram ganhas ou perdidas?

A resposta parece óbvia. Só espero que você, rara leitora ou raro leitor que aguentou chegar ao último parágrafo dessa ladainha, seja do time dos que não dão bola para filosofares inúteis de boteco como os desse texto.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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