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Invisível a olhos desatentos

"Meio-campista de técnica refinada e filho do tetracampeão Mazinho, o agora jogador do Liverpool tem alto índice de passes certos e atua sempre de cabeça erguida [...]"

Outro dia, Marçal Aquino publicou nota no Twitter em que refletia sobre as dificuldades da escrita. Para ele, mesmo quando o sujeito quer escrever mal, encontra dificuldades. Não há como discordar.

Devido à fluidez de seus textos, certos escritores passam a impressão de que qualquer um pode colocar palavras no papel e transformar essa argamassa em matéria límpida. Talvez seja dos enganos mais infantis da literatura. A obra finalizada mostra apenas o resultado, mas esconde a lixeira do escritório abarrotada de rascunhos amassados.

Alejandro Zambra é um desses autores que fazem seu ofício parecer fácil. A precisão narrativa dos contos de Meus documentos encoraja qualquer um a sentar à frente da máquina e começar a compor suas próprias histórias. O problema é passar da primeira linha.

O modo como Zambra escreve é similar ao prazer que é ver Thiago Alcântara jogando. Meio-campista de técnica refinada e filho do tetracampeão Mazinho, o agora jogador do Liverpool tem alto índice de passes certos e atua sempre de cabeça erguida, elegância que lhe proporciona visão do companheiro melhor posicionado para receber a bola. Desafio os pernas-de-pau feito eu a fazerem o mesmo.

A crônica talvez seja o gênero literário mais associado à leveza. Catedráticos costumam  acusá-la de ser uma literatura de bermudas, como se fosse um tipo de texto em eterno home office. Particularmente, me interesso muito pelas suas engrenagens, principalmente pelo fato de elas quase sempre conservarem tom de conversa fiada, aquele despretensioso papo de boteco de onde, quando menos se espera, sai uma grande sacada filosófica.

Como leitor assíduo de jornais, acho que deveria conhecer mais a produção de Rubem Braga. Confesso que somente nesse ano, depois de fazer curso ministrado pelo Fabrício Corsaletti, é que passei a tomar contato com o maior mestre do gênero. Se serve de desculpa, talvez eu não tenha me aproximado do Braga antes porque já tenho um cronista do qual sou devoto.

Tostão é sempre categorizado como articulista esportivo, mas discordo dessa ideia. Apesar de escrever no caderno de esportes, ele consegue transitar por outros assuntos que não somente o futebol, que é a base de seus textos. Com linguagem primorosa, o médico e ex-jogador passeia, entre um parágrafo e outro, por temas como cinema, literatura (é fã de Clarice Lispector e de Miguel de Cervantes) e vida real.

Sempre ouvi dizer que, na Copa de 1970, Tostão desempenhou a função de falso 9. Apesar de jogar com o número dos centroavantes, era um meia mais técnico que, infiltrado entre os zagueiros, abria espaço para quem vinha de trás. Hoje, talvez ele continue exercendo esse papel, mas no âmbito da escrita – é um falso cronista esportivo, pois, assim como Rubem Braga, tece comentários sobre o que é invisível a olhos desatentos.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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