Religião sempre rendeu votos. Hoje, rende mais do que nunca.
Além da deterioração das instituições políticas e do esfacelamento do modelo político brasileiro, que exigirão dos eleitores um comprometimento maior para suas escolhas, as eleições de 2018 terão outra características peculiar: temas “morais” deverão conduzir uma parcela significativa do eleitorado.
Antes de ser presidente, Fernando Henrique Cardoso perdeu uma eleição praticamente ganha na capital paulista após ter seu ateísmo revelado em uma entrevista. Lula sofreu um baque irreversível no segundo turno em 1989, quando, além da polêmica edição do debate final entre o petista e Collor de Melo, na TV Globo, ainda teve de assistir o adversário usar uma gravação com uma ex-namorada dizendo que teria sido pressionada a praticar um aborto pelo político.
O eleitor tem o direito de avaliar os candidatos sob os mais diferentes ângulos. É legítimo que religiosos busquem representação política – o poder está aí para ser democraticamente disputado. O objetivo desse texto é alertar sobre como o discurso pode ser previamente calculado para dominar a fatia da população disposta a preservar ou expandir seus preceitos morais ou religiosos. Na mão de hipócritas ou charlatães, a democracia está em risco.
Só para cita um exemplo, Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara Federal, preso acusado de lavagem de dinheiro e outros crimes, sempre teve entre religiosos uma grossa fatia dos seus simpatizantes. Não dá pra dizer que sua prática canalha respeite os preceitos cristãos!
Em Araraquara, vou contar uma rápida história que não presenciei, mas a fidedignidade da fonte é tanta que quase me coloca como testemunha ocular da cena. Tudo o que narrarei a seguir se passou, mas preservarei os nomes.
Dia santo em uma comunidade católica tradicional de Araraquara. Fieis em festa, comunidade reunida, procissão em curso. Um vereador raramente visto por lá, mas muito antenado aos ritos do catolicismo, aparece. Faz questão de conduzir o andor durante parte do trajeto. O assessor não deixa de registrar a imagem para, evidente, divulgar na próxima sessão legislativa como atividade de mandato. Ele é um homem de Deus (já disse aqui que isso rende voto).
Terminado o cortejo e a missa, padre e equipe litúrgica dirigem-se a sacristia. Rotina pós-celebração. Para o político, uma grande chance de sair de novo bem na foto. O padre ainda desveste a batina quando é interpelado pelo assessor para que os paramentos litúrgicos fossem mantidos para o clique final ao lado do vereador. A foto prêmio pela grande demonstração de fé a aprece do político para com o pároco – e vice versa. No entanto, o padre em questão – diferente de boa parte dos que conheço – não é afeito a fazer média com a classe e, por isso, não esconde a indignação: – Eu? Tirar foto com o fulano? Nem pensar!!! Ele nem é da minha comunidade! – responde sem esboçar falsa simpatia. Depois de um riso amarelo de vergonha, nunca mais o representante do povo foi visto por aquelas bandas.
Por isso, insisto: é legítimo a busca por representantes que defendarm nossos anseios e visões de mundo. Contudo, em tempos onde a regra é “se garantir”, cuidado com o discurso barato dos falsos moralistas de plantão e dos religiosos “muito bem intencionados”. Hipocrisia também rende votos.