1. Eduardo olha para a carga de sua caneta Bic azul. Está quase no fim. Não saberia dizer quantas perdeu antes que pudesse utilizá-las até que a tinta se esgotasse. Principalmente no seu antigo emprego, quando, trabalhando numa linha de produção, fazia serviços burocráticos que nenhum colega de setor gostava de fazer – para ele, mãos pequenas, pegar em ferramentas de aço era o problema. Como poucos carregavam a própria esferográfica no bolso da camisa, era obrigado a emprestar a sua, que quase nunca retornava.
2. Hábito estranho, reconhece Eduardo, esse de achar graça em canetas. Não nessas que custam as economias da vida inteira de um trabalhador mortal, mas aquelas que ficam amarradas por um barbante junto aos balcões das lotéricas, utilizadas para preencher os seis números mágicos que dez em cada dez brasileiros sonham acertar.
3. Pesquisou no Google: esferográficas são um tipo de caneta cuja tinta envolve uma esfera rolante que desliza sobre o papel. Há várias cores disponíveis. O uso de uma esfera na ponta possibilitou a distribuição constante e uniforme do líquido viscoso, e popularizou o uso deste instrumento de escrita ao mesmo tempo em que substituía com vantagem a caneta-tinteiro e a pena. Com isso, as pessoas passaram a escrever cartas, postais e livros.
4. Algumas pessoas também fazem mal-uso desse objeto, como certo governante que o utilizou para assinar documento que possibilitaria o armamento de certa população. Enfim.
5. A arquitetura de uma caneta, pensa Eduardo, é realmente uma maravilha. Sempre se perguntou o por quê daquele furinho no meio da estrutura hexagonal. Leu no site da revista Superinteressante: serve para igualar a pressão atmosférica dentro e fora do tubo. O ar que passa por ali preenche o espaço deixado pela tinta consumida, evitando um vácuo que a puxaria para a parte de cima da carga. Nas canetas sem furo, a carga é selada e pressurizada. Conforme a tinta é gasta, o ar comprimido se expande para ocupar o espaço liberado. Ele, que sempre foi do time das ciências humanas, achou genial.
6. Eduardo louva as facilidades da tecnologia. Em poucos minutos, tomou contato com todas as informações transcritas nos itens 3 e 5. Apesar disso, lamenta que a caneta, objeto tão valioso (com o qual escreve inúmeras cartas que nunca são enviadas e faz as palavras-cruzadas do jornal de domingo), esteja em decadência. Símbolo dessa derrocada são alunos seus que fotografam a lousa ao invés de copiá-la. Para escrever as famigeradas redações de vestibular, encontram dificuldades, pois não costumam tomar as próprias notas.
7. Sentindo-se um imbecil por não se adaptar aos novos tempos, Eduardo escreve, à caneta, uma crônica sobre o assunto. Porém, assim como faz com as cartas não enviadas, está decidido: nunca irá publicá-la.