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Notas sobre segundas intenções

"[...] leitores de Machado de Assis dificilmente acreditariam que Sérgio Moro é um herói nacional, paladino interessado no bem de um malfadado projeto de nação"

1. Cotidiano da Porto Alegre dos anos 1930 é o protagonista de Caminhos cruzados. O título do romance de Erico Verissimo remete a personagens que, divididos em dois blocos sociais (ricos e pobres), têm suas vidas cruzadas (redundância necessária), algo semelhante ao que Manoel Carlos fazia em suas novelas localizadas no Rio de Janeiro, núcleo do Leblon e núcleo suburbano – normalmente, sempre há uma empregada que reside no segundo e trabalha no primeiro, por exemplo.

2. O narrador de Verissimo é extremamente ácido e caricatural quando trata das personagens da elite, principalmente nos momentos em que aparecem as ações de D. Dodó, tipo de socialite que faz caridades de ocasião, prática que seria elevada a patamares mais altos por Luciano Huck. Ao ajudar os mais pobres, a intenção da madame é ser bem vista numa sociedade regida pela aparência.

3. Em texto publicado na Folha de S. Paulo do último domingo, Angela Alonso reflete sobre algo que me veio à cabeça pelos últimos dias: leitores de Machado de Assis dificilmente acreditariam que Sérgio Moro é um herói nacional, paladino interessado no bem de um malfadado projeto de nação. Os diálogos revelados pelo The Intercept revelaram que o ex-juiz só pensa em si próprio, num plano de carreira que parece ter dado com os burros n’água.

4. A obra de Machado de Assis nos mostra que as relações humanas são, acima de tudo, baseadas em interesses. Nas narrativas machadianas, há muitos como Moro. Exemplo: Cristiano Palha, personagem de Quincas Borba, romance também citado por Alonso. Notando que Rubião, recém empossado de vultuosa herança, possui a malícia de uma criança, Palha se oferece como consultor financeiro e, acima de tudo, amigo. Fingindo-se preocupado com o bem-estar do professor de Barbacena, suga, pouco a pouco, tudo para o próprio bolso.

5. As manobras de Palha refletem as de Moro, que sempre teve como meta chegar ao Supremo Tribunal Federal, processo que seria acelerado com a prisão de um ex-presidente. Como diz Angela Alonso, só não consegue enxergar a vilania do ex-juiz quem está completamente cego de ódio, cegueira que encobriria até as escancaradas segundas intenções de D. Dodó.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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