Depois de ler, nesse mesmo Portal Morada, o texto “Paixão pela telona”, em que o amigo Luis Antonio relembra suas sofridas excursões de Boa Esperança do Sul aos cinemas de Araraquara, lembrei-me de quando comecei a ouvir amigos dizendo que baixavam filmes pela internet. Num blog já inativo, escrevi textos vociferando contra os downloads e defendendo os cines.
Pura balela, minha conversa.
Hoje, não só me tornei um entusiasta dos torrents, como também entrei para a patota de assinantes da Netflix.
Mas, ainda assim, não abandonei completamente o já arcaico ritual de ir a locais específicos para a exibição de filmes. Principalmente porque gosto de ter o primeiro contato com os lançamentos dos diretores que aprecio em salas de projeção.
Nessas ocasiões, o período que antecede a sessão é de muita ansiedade. Chego sempre com cerca de quarenta minutos de antecedência, receoso de que os ingressos se esgotem e, acima de tudo, de perder os trailers. No último sábado, essa aventura se repetiu, pois fui conferir o Dunkirk de Christopher Nolan.
Devo dizer que tenho o péssimo hábito de ler críticas sobre um filme antes de vê-lo. E, se gosto muito do trabalho do diretor, como é o caso, compro a avaliação positiva – a saber, Amnésia, O Cavaleiro das Trevas e A origem estão no topo da minha lista de favoritos.
Um dia antes do lançamento de Dunkirk, li resenha do crítico Cássio Starling Carlos, na Folha de S. Paulo, que avalia a película como uma máquina de expansão sensorial. Em contrapartida, na mesma Folha, Marcelo Coelho a definiu como um “tiro n’água”; segundo ele, Nolan focaliza aspectos pouco profundos do evento, principalmente no que diz respeito às personagens.
Nem preciso dizer que tive a atitude bairrista de apoiar, inconscientemente, a opinião de Starling Carlos.
Bom, mas vamos ao filme.
Como pano de fundo para a história, foi pinçado um momento específico da Segunda Guerra Mundial, no qual as tropas aliadas foram encurraladas pelos nazistas em Dunquerque, no norte da França, e precisaram ser evacuadas. Para isso, civis que possuíam barcos também se envolveram na missão de retirar soldados que eram bombardeados a todo o momento na região litorânea.
O longa se divide em três planos narrativos – terra, ar e mar -, focalizando diferentes personagens que representam ou o esforço daqueles que saem em busca de seus compatriotas ou a aventura dos que, a todo custo, tentam se colocar entre os que serão salvos.
O barulho dos caças alemães foi aumentado ao máximo, o que causa no espectador a sensação de imersão que só uma sala de cinema pode proporcionar. A trilha sonora sombria, o tempo que se arrasta e os três planos narrativos que se entrelaçam até que um tipo de quebra-cabeças seja montado fazem de Dunkirk uma história que ultrapassa o conceito de “filme de guerra”. Na verdade, talvez ele se enquadre melhor na categoria de suspense. Não há as habituais vísceras espalhadas para todo lado como nos casos de Falcão Negro em perigo ou O resgate do soldado Ryan. O foco é no relógio, único instrumento de que dispõe o piloto Ferrier (interpretado por Tom Hardy) para monitorar o combustível de seu avião, que está cada vez mais próximo de uma pane seca.
Numa planície habitada cada vez mais pelas plataformas de streaming, Christopher Nolan planta seu Dunkirk como o anti-Netflix. Um convite para que saiamos do sofá e tomemos o rumo do cine mais próximo.