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O que só eu sei sobre a operação contra os hackers que abalou o país

Nesse texto, revelo detalhes sobre o dia em que acompanharíamos sem saber uma das mais importantes operações recentes da Polícia Federal. Jornalista e cinegrafista tornaram-se testemunhas da operação secreta contra crimes cibernéticos

Era para ser mais uma manhã de trabalho. Eu fazia reportagens de rua e cobria o setor policial durante as férias do companheiro Ari Campos, no Jornal da Morada, da Rádio Morada de Araraquara. Até aquele momento, a cidade era conhecida como Morada do Sol, ou terra da laranja, onde Mário de Andrade escreveu Macunaíma. Em poucas horas, a cidade receberia uma nova alcunha e viraria meme nas redes sociais. 

Ainda na redação, já pronto para entrar no ar com as notícias do dia, “farejamos” uma ação da Polícia Federal. Havia pelo menos quatro viaturas da PF em um estabelecimento comercial na Rua Adolfo Alves de Queiróz. Imaginei que a operação tivesse a casa comercial como alvo e pra lá partimos. 

O cinegrafista Jeferson Cardoso e eu percorremos os 5 quilômetros que nos separava da notícia o mais rápido quanto a lei permitia. No local, comprovamos que a informação era quente. As viaturas estavam estacionadas defronte a uma casa de rações. Nenhum outro órgão de imprensa. Seríamos (e fomos) os primeiros a relatar a operação até então desconhecida. 

Após estacionar, observei que nenhuma das viaturas possuía placas. Um dos carros trazia na lataria uma marca de tiro, certamente resultado de uma recepção nada amistosa de tempos pretéritos. Além dos tradicionais uniformes pretos com a inscrição “Polícia Federal”, havia um grupo fortemente armado com uniformes cáqui com as siglas GPI. O tempo iria esquentar e nós, Jeferson Cardoso e eu, acompanharíamos. 

Sentindo o clima pouco receptivo dos policiais, deixamos a câmera profissional no carro. Tentaríamos imagens por telefone celular.   Apresentei-me às equipes e perguntei qual era o objetivo da operação. O policial sorriu, negou que o estabelecimento comercial fosse alvo, mas educadamente disse que não poderia dar mais nenhuma informação. De fato, daquele “mato” não saiu nenhum “coelho”.  

As viaturas partiram. Por alguns momentos, o comboio tentou nos despistar.  Nós seguimos na cola e vi quando os policiais do GPI cercaram uma casa de esquina. Curiosos já se aglomeravam e eu me misturei à eles. Fiquei filmando atrás de um Gol que estava estacionado até ser surpreendido por um delegado da Polícia Federal. Novamente me identifiquei. Ele pediu que eu o chamasse o cinegrafista e que desligássemos câmera e celulares. Sem que eu desse conta, um dos agentes me chamou pelo nome completo e fez referência ao período em que atuei como policial militar. Já sabiam quem eu era e, concluí, até da ração do meu cachorro eles já sabiam a marca.

De jornalistas, fomos “promovidos” a testemunhas da ação. Fomos convocados a acompanhar a vistoria oficial aos cômodos da residência da avó de Walter. Estávamos numa posição privilegiada, mas impossibilitados de filmar e sem saber ainda o objetivo daquilo tudo. 

A casa vasculhada pelos policiais era simples. Na entrada, um jardim com grandes árvores que mantinha a parte interna protegida dos olhares da vizinhança.
Entramos pela sala, seguimos por um pequeno corredor até chegar ao quarto que Walter Delgatti Neto, o “hacker de Araraquara”, ocupava. 

Os policiais iniciaram um trabalho minucioso no quarto do acusado. Com cautela e um punhado de paciência, nada passava aos olhares atentos. Item por item, folha por folha, era tudo analisado.

Lá os policiais encontraram documentos que comprovam a vida de glamour e luxo que Delgatti vivia. Comprovantes de carros luxuosos e extratos bancários mostravam valores que uma vida toda trabalhando não me permitiria juntar.

Aos documentos, foram juntados celulares de última geração. Preocupado em noticiar o curso da operação, negociei com o delegado o uso do celular. Fui autorizado, mas tive que deixar a parte interna da residência. Com exclusividade informei aos ouvintes da Morada que uma mega operação estava em curso e o alvo eram endereços ligados a uma figura já envolvida em outras passagens policiais. Relatei no ar a ligação do suspeitos com fraudes – era o máximo que consegui captar. Sérgio Moro, Vaza Jato e The Intercept ainda não associados a todo aquele aparato. 

Voltei pra casa e vi um dos agentes  abrindo uma mochila. Dentro havia um equipamento de rastreamento que apontava a localização de alguns celulares.  O material apreendido foi catalogado e lacrado em envelopes de cor azul da Diretoria de Inteligência Policial (DIP). 

Ao término de toda a vistoria, um dos agentes reforçou o caráter sigiloso da operação. Para um jornalismo, esse é um código de que algo sério está em curso e nós, até aquele momento, éramos os únicos a registrar as cenas. A ousadia me rendeu o apelido de "Pinscher Perdigueiro" que recebi de um dos chefes da ação, numa alusão ao cão pequeno porte, chato e com um excelente faro. Sorri e assinei alguns papéis na condição de testemunha. Foi nesse momento que vi pela primeira vez o nome da operação: spoofing. Associei a nomenclatura a crimes cibernéticos e a fama que os suspeitos já tinham na cidade. 

Ao deixar o local, ainda filmamos a saída das viaturas. O fechar de portas sucedido por viaturas arrancando e seguindo o curso, perfiladas. Sim, tratava-se de uma grande operação. Só saberíamos mais tarde que testemunhamos o dia em que os três poderes da república foram abalados pelos hackers de Araraquara.

 

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