O time da Uniara, que brilhou no final da década de 1990 e início dos anos 2000, ficará marcado para sempre na memória dos amantes do basquetebol de Araraquara. Gigantão lotado, torcida eufórica, confrontos emocionantes e muito orgulho foram as marcas daquele período. O planejamento fez a equipe chegar a um vice-campeonato brasileiro que ficou com um gosto de título para a cidade, que na época respirava o basquete.
Fora de quadra, o saudoso técnico Tonzé – falecido em 2008 por conta de um câncer – comandava um time que contava com destaques como Arnaldinho, Luís Fernando, Márcio, André Bambu, entre outros talentos da época. Dentro de quadra, o time era liderado por um atleta que já tinha seu nome marcado na história do basquete nacional.
João José Vianna, o Pipoka, vestia a camisa 7 do time araraquarense, mesmo número que o consagrou na Seleção Brasileira. Um exemplo para os mais jovens e um ídolo para as crianças, que tinham a oportunidade de ver, de pertinho, um dos protagonistas de uma época relatada pelos seus pais, que descreviam uma seleção capaz de encarar qualquer adversário de igual para igual.
Hoje, Pipoka é professor universitário em Brasília-DF e tem buscado alternativas para conviver com o isolamento social. Em entrevista ao Portal Morada, ele falou sobre sua história, relembrou grandes momentos e declarou seu amor a Araraquara. Confira!
Origem na capital federal
João José Vianna nasceu em Brasília-DF no dia 15 de novembro de 1963. O ala/pivô começou a jogar basquete aos dez anos influenciado pelos amigos em sua cidade natal. Ao contrário do que muitos pensam, seu apelido não tem nada a ver com os saltos no basquete e foi dado a ele pela irmã de um amigo, na escola, onde ele ficava comendo pipoca todos os dias no pátio.
Pipoka iniciou sua carreira profissional no Clube Atlético Monte Líbano, de São Paulo, onde atuou de 1983 a 1987, período em que conquistou três títulos paulistas, quatro brasileiros, dois sul-americanos e um vice-campeonato mundial de clubes. Suas atuações destacadas o levaram à Seleção Brasileira, onde brilhou ao lado de grandes nomes da história da modalidade.
Jogou pelo Campinas de 1987 a 1989, quando transferiu-se para o Maratonistas de Coamo, um clube de Porto Rico, onde jogou duas temporadas. Em outubro de 1991 assinou como agente livre pelo Dallas Mavericks, da NBA, tornando-se o segundo atleta brasileiro na liga profissional de basquete dos Estados Unidos, mas jogou apenas um jogo, marcando dois pontos e fazendo duas assistências.
Mais tarde, voltou para os Maratonistas, onde jogou mais duas temporadas e retornou ao Brasil em 1993 para defender o Monte Líbano, clube que o revelou. Passou ainda pelo Palmeiras (1993 a 1995), União Corinthians (1995 a 1996), Mogi das Cruzes (1996 a 1998, com um título paulista em 1996) e Flamengo (1998 a 2001, com dois títulos cariocas em 1998 e 1999), antes de ser contratado pela Uniara, de Araraquara.
Passagem pela Uniara
Pipoka defendeu o time da Uniara entre os anos de 2001 e 2004, quando integrou um grupo que deixou saudades em Araraquara. A saudade, aliás, é compartilhada por ele próprio. "Lembro de tudo com muito carinho, desde o momento do convite para sair do Flamengo e ir para Araraquara. Mas os momentos mais marcantes foram os vividos com o meu grande amigo Tonzé e com o professor Dr. João Borin. Todos os sonhos da formação da nossa grande equipe, os trabalhos científicos realizados pelo Borin em busca de soluções para a melhora do time, a aplicação dessas soluções e os resultados em quadra… E que resultados! O Gigantão lotado, a cidade respirando basquete, a Uniara vivendo esses momentos intensamente. E foram muitos momentos. Nós, desde a formação dessa equipe, a qual eu já fazia parte, fomos a 19 finais seguidas, desde torneios até o Campeonato Brasileiro, passando por Regionais e Jogos Abertos", se orgulha o ex-jogador.
Ele revela que Araraquara significou em sua vida algo mais que uma oportunidade profissional. "Significou um lugar onde respeitaram de verdade a minha história. Fiz e tenho ainda grandes amigos na cidade. Me deram a possibilidade de fazer parte dessa grande equipe que foi forjada com grande sacrifício e que colheu resultados que até hoje são respeitados e admirados. Também significou a possibilidade de trabalhar com pessoas de grande conhecimento em suas áreas de atuação como o professor Borin, Tonzé, professor Fernando Mauro, isso para citar alguns", analisa.
Após passar pelo time araraquarense, o atleta voltou à sua cidade natal para defender o Lobos Brasília, onde atuou de 2004 a 2007, quando que decidiu encerrar sua carreira aos 43 anos de idade.
Seleção Brasileira
Pipoka defendeu a Seleção Brasileira entre 1986 e 1998 e construiu um nome de respeito na modalidade. Conheceu 27 países e quase todos os continentes. Com a Seleção, ele participou de três Olimpíadas (1988, 1992 e 1996) e quatro Mundiais de Basquete (1986, 1990, 1994 e 1998).
Com tantos anos dedicados a representar o país, para ele fica difícil eleger um momento mais marcante de sua trajetória, porém faz questão de destacar a conquista da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1987, quando o Brasil venceu nada menos que os Estados Unidos na final realizada em Indianápolis, casa do adversário.
"Foram vários momentos marcantes. Não poderia deixar de citar o Pan de 87, lógico! As participações nas Olimpíadas de Seul, Atlanta, Barcelona e muitos jogos, inclusive finais contra Ribeirão aí mesmo no Gigantão lotado. Não posso dizer que foi esse ou aquele momento o mais importante e sim que tenho um respeito muito grande por aquilo que construí com a ajuda de muitos profissionais para criar e me tornar o jogador que fui", explica.
Basquete atual
Com a propriedade de quem participou dos melhores momentos vividos pela Seleção Brasileira na história, Pipoka avalia que o atual panorama do basquete nacional tem demorado para promover uma nova safra promissora de atletas. "O basquetebol atual, se falando em Seleção Brasileira, está em uma fase em que ainda conta com jogadores veteranos e está baseada em Leandrinho, Marcelinho Huertas, até o próprio Varejão. Não sei se vai contar com o Nenê, mas são jogadores que já estão brilhando no cenário brasileiro há muito tempo. Eu acredito que o nosso trabalho de renovação ainda está um pouco lento, para que possamos suprir essas peças. Eu vejo o caso de seleções, por exemplo a de vôlei, onde se renovam a cada quatro anos, surgindo peças novas. E no basquete do Brasil, infelizmente, neste momento eu não vejo dessa forma", observa o ex-jogador.
Segundo ele, o Brasil precisa fortalecer suas categorias de base e se espelhar em modelos de sucesso. "É preciso melhorar nosso trabalho de base para que a gente não fique tão distante de outras seleções. Nós vemos que há um trabalho de interação muito grande com a NBA de diversos países, e com isso eles melhoram e evoluem em termos de tática e de coisas novas de basquetebol. E nós estamos ficando um pouco para trás nesse cenário. Então eu vejo que esse trabalho tem que ser mais bem feito, de prospecção de talentos, de treinamento de futuros talentos, isso na base, com garotos. Nossa seleção está perdendo altura, não vemos mais jogadores de 2m10, 2m15. Então precisamos de um trabalho de prospecção que poderia mudar o cenário nosso em torno de dez anos e também mais intercâmbio com Europa e Estados Unidos, para que possamos ver o que estão fazendo e assim não ficarmos tão distantes", sugere.
Padrinho do 'Garoto Voador'
Pipoka cita algumas amizades que construiu na cidade. "Fiz grandes e queridos amigos na cidade e região. Além do professor Borin, do professor Fernando Mauro, tem a Gardêmia de São Carlos, o André da Droga Brasil, que foi a primeira amizade que fiz na cidade, o Montovani e esposa, dentre muitos outros e queridos amigos", conta ele, que atualmente mantém contato com poucos, entre eles o publicitário Lineu Carlos de Assis.
Entre esses amigos, existe uma pessoa especial para o ex-jogador. Quando Pipoka residia em Araraquara, foi convidado pelo amigo farmacêutico André Frasnelli para ser o padrinho de seu filho, Murilo Frasnelli. O convite foi aceito de prontidão. Hoje o menino tem 16 anos de idade e é uma das promessas do motocross brasileiro, tendo inclusive o apelido de Garoto Voador.
O ídolo do basquete mostra um enorme orgulho do garoto. "Grande Murilinho, meu afilhado. Hoje já está um jovem. Ele é uma das pessoas que nasceram pra isso. Desde que nasceu ele já ganhou do seu pai, André, uma moto, e hoje a moto é uma extensão do seu corpo. Isso facilita para que ele evolua cada vez mais no esporte. Eu tenho certeza de que logo ele estará despontando no cenário internacional do motocross. Ele tem tudo, tem talento, tem condição e é um garoto apaixonado pelo que faz. E ser apaixonado pelo que faz é o básico para quem quer se tornar um campeão", salienta Pipoka.
O presente e o futuro
Atualmente, com 57 anos, Pipoka é professor em Brasília. Com a pandemia do novo coronavírus, ele cumpre o isolamento social em sua casa, onde realiza seus trabalhos e cuida de seu pai, de 92 anos.
Pipoka falou sobre sua rotina em tempos de quarentena. "Eu sou professor universitário e como todos, ou a maioria, tenho ficado em casa e trabalhando em home-office. É o que eu tenho feito, tenho dado minhas aulas e as minhas disciplinas estão todas de maneira remota. Claro que boa parte delas são práticas e estamos vivenciando esse problema de isolamento social, que torna a prática impossível nesse momento. Então estamos quebrando a cabeça para melhorar o conteúdo e tentando minimizar o máximo possível o trabalho que deveria ter sido feito nas quadras, nos pátios, nos laboratórios, mas pelo menos a parte teórica tem que ser conhecida com profundidade. Estamos aguardando o final dessa pandemia, ou pelo menos amenizar essa situação para que nossos quadros hospitalares consigam achatar a curva e ter espaço, leitos e condições de atender todo mundo, para que possamos voltar com segurança às atividades. E também é preciso dar tempo para os cientistas pesquisarem uma vacina, uma cura para essa doença", analisa.
Araraquara sempre no coração
Pipoka conta que jamais esquecerá tudo o que viveu em Araraquara. "É uma cidade que eu guardo um enorme carinho por tudo que vivi aí durante três anos. É uma torcida apaixonada e uma cidade que é única no Brasil. Eu sinto um carinho muito grande e tenho uma saudade muito grande do período em que eu tive o privilégio de morar em Araraquara. Os caminhos vão se seguindo, mas o contato é que fica mais difícil, porque cada um vai para um lado. A vida vai seguindo e acaba nos afastando um pouco fisicamente, mas continuamos de coração, de mente, de desejo de estar junto. Então eu sinto muito a falta de tudo o que vivenciei em Araraquara", revela.
Mensagem para os araraquarenses
Pipoka aproveita para deixar seu recado aos araraquarenses e torce para que a cidade volte a ter um time capaz de envolver tanto o público como aquela equipe da Uniara fazia. "Meus amigos de Araraquara e fãs do bom basquetebol, fica aqui meu desejo para que possamos novamente ter uma equipe, primeiro despontando no cenário paulista e depois no cenário brasileiro, para que possamos voltar a lotar o Gigantão, que é um espaço de excelência do basquetebol do interior de São Paulo. Espero que possamos reviver e criar novos momentos tão bons quanto aqueles que vivemos na época do Tonzé, do Márcio, do Rodrigo, do Bambu e tanta gente boa que passou por essa equipe. Esse é o meu desejo, tenho certeza de que é o desejo de todos, para que possamos colocar novamente Araraquara no mapa do basquetebol brasileiro e quem sabe até sul-americano. Um grande abraço a todos, muita saudade e um beijo grande. Fiquem em casa", conclui o campeão.
Confira abaixo algumas fotos da carreira de Pipoka.