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Por que esta década já mudou o cinema para sempre

A diversidade, a reinvenção dos gêneros e a consolidação do streaming marcaram os últimos anos no cinema mundial

Por: BBC Brasil

Costumava ser tão simples. Se você queria ver um filme, ia ao cinema e assistia aos atores dizendo suas falas em um cenário construído. Agora, porém, talvez o cenário não exista, exceto na tela de um computador. Talvez os atores também não existam. Quanto ao cinema, por que ir quando você pode assistir ao novo filme de grande orçamento de Hollywood na TV ou no telefone?

A indústria cinematográfica foi mais abalada nos anos 2010 do que em quase qualquer outra década – e as ondas de choque não diminuíram. É difícil dizer se o cinema estará presente no final da década de 2020 e qual será seu formato, se houver. Mas há uma grande chance de que, até 2030, um avatar digital de Marlon Brando tenha estrelado como o Homem-Aranha em uma aventura de realidade virtual transmitida diretamente para um canto do seu cérebro pertencente à Netflix.

Ainda assim, não vamos nos preocupar com a próxima década ainda. Vamos lembrar o quão revolucionária foi essa década com o nosso guia.

Streaming vira mainstream

Por mais difícil que seja de acreditar, a Netflix só lançou seu serviço de streaming em 2010 e não produziu um filme próprio até Beasts of No Nation, em 2015. Desde então, Netflix e Amazon foram responsáveis por alguns dos melhores lançamentos da década.

A Amazon estava por atrás de Manchester à Beira-MarVocê Nunca Esteve Realmente Aqui e a Guerra Fria; a Netflix pode reivindicar créditos por RomaHistória de Um Casamento O Irlandês.

Nem todo mundo aprova: o Festival de Cinema de Cannes se recusa a deixar filmes entrarem na competição se eles não tiverem uma exibição adequada aos cinemas. E há aqueles de nós que ainda insistem em comprar DVDs e Blu-rays, mesmo que estejamos ficando sem espaço para guardá-los.

Realidade virtual

As imagens geradas por computador podem não ser novidade, mas a extensão em que estão sendo usadas certamente é. Somente no último ano, tivemos Samuel L Jackson velho em Capitão Marvel, Arnold Schwarzenegger de idade avançada em O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio, Will Smith mais velho em Projeto Gemini e Robert De Niro idoso em O Irlandês. Antes disso, tivemos Peter Cushing e Carrie Fisher digitais em Rogue One: Uma História de Star Wars e agora temos a perspectiva de um James Dean digital em um próximo drama da guerra do Vietnã.

Outros avanços tecnológicos incluem o formato de altas taxas de quadros (mais quadros por segundo) na trilogia O Hobbit e Projeto Gemini e o desenvolvimento da realidade virtual, que agora tem sua própria vertente de competição no Festival de Cinema de Veneza. Se você tem medo de que todos vivamos agora na Matrix, não se esqueça de que o filme Tangerina, de Sean Baker, foi filmado com três iPhones, então a tecnologia do século 21 às vezes pode ser usada para capturar a realidade em vez de substituí-la.

Diversidade

Quando Ridley Scott estava lançando o épico bíblico de 2014 Êxodo: Deuses e Reis, ele decidiu que as pessoas ideais para interpretar um grupo de egípcios antigos seriam Christian Bale, Joel Edgerton, Sigourney Weaver e Aaron Paul. Quando foi apontado que nenhum deles parecia especialmente egípcio, Scott argumentou à revista Variety: "Não posso montar um filme com esse orçamento e dizer que meu ator principal é Mohammad fulano de tal, simplesmente não vou ser financiado". E isso teria sido uma tragédia, não é? Imagine se Êxodo: Deuses e Reis não tivesse sido financiado!

Scott estava seguindo a tradição hollywoodiana de embranquecimento, mas estava atrasado. A falta de diversidade nas indicações ao Oscar de 2015 levou a campanha #OscarsSoWhite; Ghost in the Shell foi condenado por escalar Scarlett Johansson em um papel que se originou no Japão e a Disney teve o cuidado de escolher atores de ascendência polinésia para darem voz a Moana no filme de mesmo nome.

Enquanto isso, sucessos como Creed – Nascido para LutarPantera Negra e Homem-Aranha lembraram aos produtores que estrelas não caucasianas poderiam atrair o público em massa; Moonlight – Sob a Luz do Luar ganhou o Oscar de melhor filme, diretores mexicanos se tornaram presença comum no Oscar e racismo foi o tema de Histórias Cruzadas12 Anos de EscravidãoDjango LivreSelma, Green Book: O GuiaInfiltrado na KlanHarriet (ainda não lançado no Brasil) e muito mais. O Oscar não é mais tão branco agora.

O futuro é feminino

A queda do produtor Harvey Weinstein, acusado de assédio sexual, coincidiu com a ascensão dos movimentos Me Too e Time's Up. Mas a campanha que se seguiu não foi apenas para interromper o abuso sexual na indústria cinematográfica, mas também abordar disparidade salarial, subrepresentação feminina nos filmes e outros sinais insidiosos de sexismo institucional.

Antes de as acusações de assédios em série de Weinstein serem expostas, já havia uma tendência por thrillers de ação com heroínas, como LucyStar Wars: O Despertar da Força e Jogos Vorazes. Posteriormente, festivais e estúdios prometeram promover o equilíbrio entre filmes dirigidos por homens e mulheres para perto de 50/50. As coisas estão mudando lentamente, mas estão mudando.

A década da Disney

Os historiadores do cinema se lembrarão dos anos 2010 como a década da Disney. A exploração do próprio catálogo por parte do estúdio tem sido incrivelmente inspiradora. Mês após mês, há live-action (ou, no caso de Rei Leão, uma espécie de live-action) remakes de seus desenhos animados clássicos, como AladdinDumbo e Mogli. Mas o golpe de mestre da Disney foi comprar os direitos de outras empresas, principalmente as franquias Star Wars e Marvel.

Como resultado, o filme de maior bilheteria em oito dos últimos 10 anos pertence à Disney, seja ele marcado como Marvel (quatro), Star Wars (dois), Pixar (um) ou um dos desenhos animados do estúdio (Frozen). A Disney também assumiu a 20th Century Fox e acaba de lançar seu próprio serviço de streaming. A década de 2020 também poderia ser a década da Disney.

Super-heróis

Para aqueles de nós que crescemos lendo histórias em quadrinhos de super-heróis no século 20, foi estranho nossos interesses de nichos se destacarem no entretenimento em massa. Agora parece que não passa um mês sem a Fox lançar um filme dos X-Men, a Sony lançar um filme do Homem-Aranha ou a Warner lançar um filme sobre Super-Homem, Batman, Mulher-Maravilha ou o Coringa.

Mas nenhum deles consegue igualar o triunfo da Marvel Studios, cuja onda de sucessos de bilheteria varreu tudo à sua frente. Atreva-se a dizer que você não está impressionado com a qualidade, como fizeram Martin Scorsese e Ethan Hawke, e prepare-se para a reação dos vingadores das mídias sociais.

Filmes que eram teoricamente de outros gêneros, como Velozes e Furiosos: Hobbs & ShawDoutor Sono e Frozen II eram na verdade filmes de super-heróis disfarçados, e todos os estúdios tentavam copiar o modelo de 'universo compartilhado' da Marvel, no qual vários filmes separados acontecem na mesma realidade.

Filmes de terror

Os anos 2000 foram uma década assustadoramente ruim para o terror. O sucesso de Jogos Mortais e suas sequências anuais levou a uma série de filmes de 'pornografia de tortura' que eram mais nojentos do que assustadores. E houve inúmeros esforços para vender personagens antigos para novos públicos, por exemplo, Halloween: RessurreiçãoFreddy vs. Jason e Sexta-feira 13.

Na década de 2010, por outro lado, o horror renasceu como um dos únicos gêneros em que dramas originais, com histórias provocantes e conceitos ousados podem ser feitos com um orçamento razoável e passam a ser abraçados por críticos e público.

Os exemplos principais são Corra! e Nós, de Jordan Peele, Hereditário e Midsommar – O Mal Não Espera a Noite, de Ari Aster, A Bruxa e O Farol, de Robert Eggers, Corrente do Mal, de David Robert Mitchell, Um Lugar Silencioso, de John Krasinski, Grave, de Julia Ducournau, e O Babadook, de Jennifer Kent. Apenas não chame isso de 'horror elevado' – um termo esnobe que faz com que os fãs de terror busquem estacas de madeira afiadas.

Comédia romântica

Sempre que um filme como Doentes de Amor vai moderadamente bem, fãs de comédia romântica declaram que o gênero que amamos está de volta. Mas é hora de deixarmos esse relacionamento para trás e seguir adiante com nossas vidas. A rom-com (termo em inglês para comédias românticas) floresceu até a década de 1990, azedou nos anos 2000 e secou nos anos 2010. Resumidamente, foi substituída pela comédia de amigos e amigas, em que se apaixonar por aquele ou aquela importa menos do que sair com a galera, como Missão Madrinha de Casamento.

O fato é que a própria comédia caiu de posição na lista de prioridades de Hollywood. Em 2004, por exemplo, era possível ver Todo Mundo Quase MortoTeam AmericaMeninas MalvadasSideways– Entre Umas e OutrasO Âncora: A Lenda de Ron Burgundy e Com a Bola Toda – prova de que a indústria estava levando a sério ser engraçada.

Mas a última década viu atores de comédia como Ben Stiller e Vince Vaughn se mudarem para o drama e diretores de comédia se voltando para a televisão, docudrama político e filmes de super-heróis. Em 2006, Anthony e Joe Russo fizeram Dois é Bom, Três é Demais; em 2016, eles fizeram Capitão América: Guerra Civil.

Isso não quer dizer que as comédias de Hollywood não sejam mais produzidas. Eles são. Mas as comédias mais notáveis dos últimos anos foram mais sombrias e esquisitas do que aquelas do tipo de Will Ferrell, e muitas vezes filmadas longe dos EUA. A LagostaAnomalisaToni Erdmann e Parasita farão você rir, mas será uma risada inquieta e nervosa.

Mais estranho do que ficção

Os dias do documentário de sucesso estão para trás. Houve alguns exemplos de não-ficção nos anos 2010 que atraíram público, como O Ato de Matar e Procurando Sugar Man, mas nada comparável a filmes como Tiros em Columbine e Super Size Me – A dieta do palhaço na década anterior.

A nova casa do documentário é o podcast, em que casos de assassinato são descritos em centenas de episódios. Quando Hollywood quer contar uma história verdadeira, opta por um tipo chamativo de docudrama, que não apenas dramatiza os eventos, mas acrescenta estatísticas, rompe com a ideia da quarta parede, acrescenta interjeições das pessoas reais de que trata a história. Isso significa que esses filmes são mais precisos do que os filmes tradicionais "inspirados em eventos reais"? A julgar por A Grande ApostaSem Dor, Sem GanhoEu, TonyaAmerican AnimalsViceA Lavanderia e O Escândalo (estreia prevista para 30 de janeiro de 2020 no Brasil), a resposta é não. Mas eles podem ser mais divertidos.

O fim do mundo

Os anos 2000 se encerram com um bando de filmes ambientados em terrenos pós-apocalípticos: A EstradaEu Sou a LendaZumbilândia. Também havia muitos deles nos anos 2010 – sendo o maior Mad Max, mas muitos cineastas de ficção científica adotaram uma visão ainda mais sombria do futuro.

Filmes como Interestelar Alien: Covenant sugeriram que seria melhor abandonarmos completamente o planeta e começarmos de novo em um sistema solar distante ou em uma estação espacial de luxo. Ainda assim, talvez possamos ter algum conforto em saber que já passamos do tempo em que De Volta Para O Futuro Parte II e Blade Runner se passavam – outubro de 2015 e novembro de 2019, respectivamente. E nosso próprio mundo não está tão ruim quanto o daqueles filmes. Ou está?

 

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