A professora Maria Helena de Moura Neves, decana da área de Linguística da Unesp no câmpus de Araraquara, foi a vencedora da primeira edição do prêmio Ester Sabino, criado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo para valorizar pesquisadoras que contribuem para o desenvolvimento científico.
A cerimônia foi realizada no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, na manhã desta sexta-feira, 11 fevereiro, data em que é celebrado o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A docente da Unesp, que tem 91 anos recém-completados, foi escolhida na categoria sênior por votação popular realizada pela internet, com mais da metade dos 14.161 votos registrados. As outras finalistas dessa categoria, selecionadas por uma banca de cientistas, foram as pesquisadoras Giselda Durigan, do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), e Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química da USP.
Na categoria jovem pesquisadora, venceu a engenheira do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Mayara Condé Rocha Murça, que é capitã da Força Aérea Brasileira. As outras finalistas dessa categoria foram Camila Meirelles de Souza Silva, da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, e Dayana Aparecida Marques, formada na Unesp e hoje docente no Instituto Federal de São Paulo em Registro.
Graduação perto dos 40 anos
“Eu com 18 anos comecei a lecionar. Naquele tempo, como havia poucas universidades que tinham pós-graduação, havia um exame nacional que permitia que os aprovados não precisassem fazer faculdade (para lecionar). Fiz o concurso em língua portuguesa, com o professor (Evanildo) Bechara. Éramos 52 e só dois passaram. Eu não precisava mais fazer faculdade, tinha a carteirinha da Cades que me autorizava a dar aula no ginásio e no colégio (ensino fundamental e médio, respectivamente). Fui fazer faculdade porque abriu o curso de grego e eu queria estudar grego”, lembrou a pesquisadora, que depois também estudou alemão e um pouco de romeno, após iniciar a primeira graduação perto dos 40 anos. “Quando entrei para fazer a graduação, na faculdade, eu já tinha lido a literatura brasileira e a portuguesa inteirinhas, não faltava um livro”, afirmou ao Jornal da Unesp, momentos após a premiação.
Maria Helena de Moura Neves lecionou a partir dos anos 1970 na atual Faculdade de Ciências e Letras do câmpus de Araraquara (FCLar) e ainda hoje atua como docente permanente da pós-graduação em linguística e língua portuguesa. Também atua na pós-graduação em letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Lúcida, articulada e com uma mobilidade invejável para o início de sua décima década de vida, a docente acredita que a dedicação ao trabalho seja uma de suas chaves para a longevidade.
“O que quero dizer para as meninas é que as pessoas façam sempre o que gostam de fazer. Eu sempre adorei mexer em linguagem, vou entregar na semana que vem um livro. Gosto de pesquisar. Fiz um livro sobre o que é negar, as negações em linguagem. Acho que o livro vai chamar ‘o sim, o não, o talvez e o nem tanto’. Quer dizer, a nossa linguagem é um caminho entre o ‘sim’ e o ‘não’…” diz a docente, estendendo-se por uma breve explicação sobre a lógica de seu pensamento e de seu mais recente trabalho. “Ah, o conselho? Fazer o que gosta de fazer. Nunca faça nada que não goste de fazer porque você não vai fazer bem”, afirma.
Para a decana da Unesp, a premiação faz parte de um movimento de “valorização da mulher sob todos os pontos de vista”. Durante o seu discurso, que durou quase 18 minutos, dispensou os protocolares agradecimentos e quis discorrer sobre “ciência”, mais precisamente as bases científicas de seu trabalho nas humanidades, uma breve aula para os presentes.
“A professora Maria Helena é ímpar. Lembrei da célebre frase do Bertolt Brecht de que os imprescindíveis são aqueles que lutam por toda uma vida. Então, ela lutou e luta, com uma trajetória de grande contribuição com a ciência”, afirmou o reitor da Unesp Pasqual Barretti, que esteve presente à cerimônia. “Hoje, com a ciência sendo muito atacada, particularmente no nosso país, quem é mais atacado? São as ciências humanas, que estão na origem e que nos fazem refletir e nos mostram os caminhos. Todo sistema que se propõe a ser um sistema autoritário ataca as humanidades. Então, este prêmio é uma resposta a estes ataques.” O professor Pasqual Barretti lembrou também da importância da data. “Como reitor, é uma satisfação e uma honra muito grande ter uma unespiana vencedora do prêmio de cientista sênior no Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Este prêmio é um reconhecimento, um caminho contrário à discriminação histórica que essas guerreiras tiveram e venceram, hoje ocupando um papel de destaque na ciência brasileira”, diz.
Além do reitor da Unesp, estiveram presentes, entre outros nomes do mundo acadêmico, os reitores da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior; da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles; do ITA, Anderson Correia; do Mackenzie, Marco Tullio de Castro Vasconcelos; o presidente da Fapesp, Marco Antonio Zago; e a presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, Vanderlan Bolzani, além da cientista que dá nome à premiação.
Cientista que dá nome ao prêmio aponta dificuldades para mulheres na carreira científica
Médica, imunologista, ex-diretora do Instituto de Medicina Tropical e professora da Faculdade de Medicina da USP, Ester Sabino liderou o sequenciamento do genoma do Sars-CoV-2 no Brasil. “Acho que muitas mulheres que conseguem subir na carreira acreditam que não existe dificuldade. Primeira questão é começar a perceber e, quando a gente percebe, a gente começa a ver formas de mudar isso”, afirmou Ester Sabino.
Pesquisadoras indicadas as duas categorias do prêmio, juntamente com o subsecretário de educação superior da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Sandro Valentini, a presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, Vanderlan Bolzani, a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patrícia Ellen, e a professora Ester Sabino
O prêmio Ester Sabino para mulheres cientistas teve 174 profissionais inscritas, indicadas por seus pares. Não havia a possibilidade de a cientista submeter o próprio nome para avaliação.
“Esta premiação extrapola o nível da universidade, da instituição pública, do país. Ela tem que ter uma dimensão internacional. O mundo tem que ter consciência de que ele só será melhor, socialmente mais justo, quando diminuirmos a discriminação de gênero. As mulheres na sociedade de hoje têm um papel no trabalho fundamental e aí precisa-se de política pública porque a mulher ainda tem muitos compromissos em jornada dupla, por mais avançado que seja o seu companheiro”, disse Vanderlan Bolzani.
A cerimônia foi liderada pela secretária estadual de Desenvolvimento Econômico, Patricia Ellen. O subsecretário de educação superior da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Sandro Valentini, também participou. O pró-reitor de pesquisa da Unesp, professor Edson Botelho, e a assessora da pró-reitoria de graduação, professora Silvana Vidotti, prestigiaram a premiação.
“Este prêmio à professora Maria Helena representa um importante marco de valorização tanto das pesquisas que vêm sendo realizadas por nossas excelentes pesquisadoras como, mais especificamente, das pesquisas nas humanidades. Momentos como este são de grande inspiração, muito importante nestes dias que estamos vivendo”, afirmou o pró-reitor de pesquisa da Unesp, professor Edson Botelho.
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o prêmio Ester Sabino foi desenhado para que tenha continuidade nos próximos anos, de forma a valorizar a participação feminina no universo científico. “Fiz questão de garantir que este prêmio acontecesse para que a gente pudesse fazer com que ele virasse a regra, e não a exceção”, disse a secretária Patricia Ellen ao abrir o evento. “Reconhecer o trabalho das mulheres cientistas é pressuposto fundamental para a participação feminina igualitária no campo das ciências”, afirmou a secretária.