Sócrates foi um jogador diferente. Craque e ídolo de toda uma geração, o meio-campista foi peça-chave na Seleção Brasileira de 1982, que encantou o mundo com um futebol vistoso, tipicamente brasileiro. O nome, de origem grega, veio após por inspiração do pai, que era apaixonado por literatura e se encantara com "A República de Platão". Mas o futebol não podia ser mais verde e amarelo.
Capitão da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982, o meia marcou época com a Amarelinha. No futebol brasileiro, foi o pilar de um histórico time do Corinthians. Mas o excepcional desempenho dentro de campo não consegue resumir a importância de Sócrates para o nosso futebol.
De Belém para o mundo, o doutor da bola
Nascido em Belém, Sócrates fez de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, seu berço para o futebol. Ainda jovem, o Magrão, como era conhecido, trilhou seus primeiros passos no mundo da bola nas categorias de base do Botafogo-SP. Ficou no clube até os 24 anos, por conta de uma paixão incomum para jogadores de futebol: a medicina. Diante do talento que Sócrates sempre exibiu, o Botafogo permitia ao craque algumas modificações na agenda para conciliar a bola e o estudo. Desta forma, ficaria no clube até concluir o curso.
Pelo clube de Ribeirão Preto, Sócrates se destacou no Campeonato Paulista de 1977. Ao lado de Zé Mário, liderou o Botafogo ao título da Taça Cidade de São Paulo, um equivalente ao primeiro turno à época. Àquela altura, o meia já tinha o interesse de diferentes equipes. Uma vez formado, Sócrates passou a analisar ofertas dos clubes da capital, que já estavam de olho em seu futebol. O Corinthians levou a melhor sobre o São Paulo na disputa pelo meia e, em 1978, ele vestiu pela primeira vez a camisa do Alvinegro.
Voa, Canarinho, voa!
No Corinthians, Sócrates fez parte de um histórico time, ao lado de jogadores como Casagrande, Wladimir, Zé Maria, Biro Biro e Zenon. O destaque de Sócrates com a camisa do Corinthians chamou a atenção do técnico Telê Santana. Disposto a fazer a Seleção Brasileira jogar um futebol vistoso, o treinador depositou suas fichas no paraense.
Sua estreia pelo Brasil aconteceu no dia 17 de maio 1979, com goleada da Seleção por 6 a 0 sobre o Paraguai, em jogo preparatório para as Eliminatórias. Sócrates foi uma das principais estrelas da Seleção Brasileira durante a Copa do Mundo de 1982. Capitão da equipe, fazia parte de um meio-campo recheado de talento, composto por ele, Paulo Roberto Falcão, Toninho Cerezo e Zico.
Foi no embalo das jogadas plásticas, dos toques de calcanhar e dos grandes passes de Sócrates que aquela equipe conquistou o coração do torcedor brasileiro. Logo na estreia, ele deixou sua marca com um gol de placa. Quando o Brasil mais precisava na partida, ele apareceu com uma jogadaça: dois dribles secos e um chute forte de fora da área para estufar a rede da União Soviética. Era o empate do Brasil, que ainda viraria o jogo.
Ao longo da campanha, Sócrates balançou a rede duas vezes: na estreia e no fatídico jogo diante da Itália, considerado por muitos uma das maiores injustiças da história das Copas do Mundo. Foi justamente dele o gol que empatou a partida em 1 a 1 no Estádio do Sarriá. Apesar de não sair com o título, aquela Seleção marcou para sempre a memória dos torcedores que a acompanharam e é, até hoje, uma das grandes referências de futebol bonito no mundo todo.
Quatro anos mais tarde, na Copa do Mundo do México, em 1986, Sócrates mais uma vez foi convocado por Telê Santana para defender o Brasil. Mais uma vez, a Seleção começou a Copa do Mundo em alto nível e venceu os seus quatro primeiros jogos, incluindo um 4 a 0 sobre a Polônia nas oitavas-de-final. O Magrão marcou duas vezes durante o torneio: contra Espanha e diante dos poloneses.
Mas a campanha brasileira parou no encontro com a França. Após o empate por 1 a 1 no tempo regulamentar, os franceses ficaram com a vaga nos pênaltis. Sócrates foi um dos batedores brasileiros e não conseguiu converter sua cobrança. O erro, no entanto, passa longe de apagar o brilho que ele teve com a Amarelinha. Ao todo, foram 63 jogos e 25 gols marcados e muitas lembranças de um futebol brilhante.
Democracia Corintiana
Quem conhecia Sócrates rapidamente percebia que ele não era um jogador comum, dentro e fora de campo. A formação como médico era apenas uma de suas marcas, que o diferenciavam dos demais. Era, por um exemplo, um atleta tido como boêmio, que gostava de levar a vida entre goles de cerveja e risadas com os amigos no bar. Outro lado de Sócrates fora de campo era sua capacidade de liderança e sua leitura política.
Não foi por acaso que ele, ao lado de figuras como Casagrande e Wladimir, liderou o movimento que ficou conhecido como Democracia Corintiana. Na época, o grupo de jogadores do Corinthians estabeleceu uma série de regras de autogestão dentro do clube e participou como defensores do movimento Diretas Já, em prol da redemocratização do Brasil. Sócrates fazia do futebol instrumento para exercer sua liberdade de expressão. Como o mesmo disse, suas pernas amplificavam sua voz e lhe davam a possibilidade de dizer coisas que as pessoas não podiam.
Um gesto para a história
Em quase todos os mais de 100 gols que marcou com a camisa do Corinthians, Sócrates comemorou da mesma forma. De maneira elegante e séria, punho cerrado estendido aos céus, como os Panteras Negras, movimento revolucionário dos Estados Unidos. É um símbolo de enfrentamento e resistência e um jeito de, na hora mais importante do futebol, Sócrates reforçar sua mensagem. O gesto se eternizou entre a torcida corintiana e brasileira, que nunca se esquecerá do futebol e da luta do Doutor.
Em 4 de dezembro de 2011, Sócrates nos deixou. Naquele mesmo dia, mais tarde, o Corinthians entrou em campo para conquistar seu quinto título do Campeonato Brasileiro. Antes da bola rolar, todos os jogadores alvinegros se reuniram no centro do gramado e, acompanhados por um Pacaembu lotado, repetiram o gesto de Sócrates.
Quem foi Sócrates?
“Jogando bola, é difícil descrever tamanha classe e categoria. A inteligência extrapolou os campos de futebol. Além de médico, sempre foi engajado politicamente nas causas em que acreditava” – Zico
"Sócrates era mais que um jogador e amigo. Uma pessoa de um coração imenso e que marcou época, não só com sua habilidade com a bola, mas pelo caráter, humildade e luta na vida. " – Renato Portaluppi
"Nossa amizade ficou muito próxima, nós viramos praticamente irmãos, porque ele estava comigo todo o dia, o tempo todo. Ele assumiu essa responsabilidade, dentro do grupo do Corinthians, de não me deixar sozinho, de estar comigo, me proteger" – Casagrande
"Como atleta, um gênio, que sempre me inspirou. Como cidadão, um grande orgulho, por seus ideais, sua coragem, postura e engajamento. Como pessoa, um ser único, extremamente verdadeiro." – Raí