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Subserviência fardada

A injustificada abordagem policial feita contra Ed Júnior, repórter do Portal Morada, precisa ser explicada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. O silêncio da instituição confirma que o tratamento dado pelos policiais aos envolvidos nessa ocorrência destoam do padrão. Nesse caso, coincidentemente, a variante é facilmente identificável e se relaciona ao padrão social do bairro, das pessoas e dos veículos envolvidos.

Antes dos detalhes dessa ocorrência, porém, outras informações são relevantes e contextualizam um desgaste na relação institucional entre a polícia e a imprensa. Desde 2019, os veículos de comunicação de Araraquara passaram a ter dificuldade de acesso a informações sobre as ocorrências policiais. Alguns delegados, contrariando orientação da Delegacia Seccional, impedem o contato dos jornalistas com os registros, prática comum nas últimas décadas, sem danos à sociedade. Com isso, as pessoas deixam de ser informadas sobre as ocorrências, os índices e as práticas criminosas. No âmbito local, deixa-se de saber onde, quando e como os crimes acontecem – informações fundamentais para a segurança dos cidadãos.  

A Polícia Militar é um órgão fundamental para o funcionamento da sociedade. No entanto, ela deve aos cidadãos tratamento equânime. Aos infratores, a aplicação da lei e a condução o Poder Judiciário, que é quem decide a proporção do deslize e a justa medida da sanção. Na ocorrência do dia 22, essa barreira foi rompida. Ao dirigir-se diretamente ao repórter, a Polícia cedeu aos apelos injustificados de quem era, na verdade, responsável pelo acidente, que poderia ter gerado vítima. Ao invés de qualificar os envolvidos e averiguar as infrações cometidas (embriaguez, velocidade incompatível com a via, condução perigosa de veículo automotor – são várias os enquadramentos possíveis), o policial intimida o jornalista.

A intimidação fica clara não pelo fato de solicitar identificação. Compreende-se a necessidade de controlar o local. A ação é desrespeitosa quando se questiona, antes de checar as informações dadas pacificamente pelo repórter, sobre “passagem policial”. Qual o pressuposto para a pergunta? Eu tenho um palpite: Ed Júnior é negro. Desde o início, os jovens brancos da classe média, que conduzia ou estavam no veículo, se incomodaram com a presença do jornalista. Não admitiam que eles, filhos de uma suposta elite acostumada à todos os privilégios, estivessem sendo filmados por um negro. Eles fazem parte daquele espaço, o repórter, não.

Essa tese é facilmente comprovada assistindo aos poucos minutos do vídeo. Desde o início, é possível ver olhares e gestos contra o repórter, que mantém o profissionalismo de reportar o ocorrido, nem emitir opinião. Por duas vezes o grupo arguiu para que a filmagem fosse interrompida. Com a chegada das viaturas, esse é o apelo que uma das pessoas faz ao policial, que imediatamente o atende. Por que? É a pergunta ainda sem resposta.

“Você tem passagem?”, pergunta o policial. Se a resposta fosse “sim”, talvez servisse como justificativa para que a reportagem fosse interrompida pelas forças policiais. Em alguns locais do país, "passagem pela polícia" justifica chacinas e fuzilamentos, como se a pena de morte tivesse sido estabelecida. No caso em questão, a preocupação do policial é injustificável, já que o jornalista cumpria seu trabalho naquela noite de sábado e não representava nenhum ameaça à condução policial. Quanto aos possíveis crimes de trânsito, flagrantemente registrados ali, nada a dizer. O local não foi isolado e a perícia sequer foi acionada.

O racismo brasileiro é estrutural. A Polícia Militar não pode corroborar essa anomalia, tão pouco compartilhar das práticas de um segmento que se acha acima da lei e desrespeita a liberdade de imprensa. Porém, isso parece ter virado moda no Brasil. O ataque à imprensa é diariamente incentivado por autoridades que deveriam preservar as instituições democráticas. Pelo visto, tem gente já se sentindo autorizada para tanto.

Luís

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