Outro dia, vi um tuíte do Menon sobre pessoas iniciantes no procedimento de andar pelas ruas. Segundo o jornalista, dá para saber quem elas são, pois todas saem com guarda-chuva, casaco, chapéu, sapato, cabelo, enfim, estão (ou acreditam estar) preparadas para tudo. Na visão do blogueiro, quem está acostumado a bater os calcanhares no concreto das calçadas não se preocupa com eventualidades de ordem climática.
Isso me lembrou "A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro", conto de Rubem Fonseca. A história é sobre Augusto, sujeito que resolve tornar-se andarilho depois de ganhar na loteria com a intenção de coletar material empírico para escrever um livro. Andando pelo centro da capital carioca, a personagem tem contato com os mais variados tipos, que vão de moradores de rua a prostitutas. Augusto explica que dentro de um automóvel (ou qualquer meio de transporte) não se vê detalhes (para quem está escrevendo um livro, importantes) escondidos no movimento das calçadas.
Durante boa parte da minha vida, andei basicamente a pé. Depois, quando comecei a trabalhar numa empresa que disponibiliza transporte coletivo aos funcionários, esse hábito perdeu-se por dez anos. Hoje, percebo que voltei a ser um principiante, assim como os anônimos descritos pelo Menon.
Quase sempre tenho errado na escolha do vestuário. Admito que, em Araraquara, prever uma pancada de chuva é até plausível, mas esperar que a temperatura baixe já é demais. Mesmo dando preferência a um trajeto pela arborizada rua 5, inevitáveis (e abundantes) gotas de suor brotam em minhas têmporas, consequência de optar por calça em vez de bermuda.
Além do calor, ainda há a ocorrência dos tropicões. Quando a ponta do pé não se choca com pedaços de concreto levantados, a sola do tênis, inexplicavelmente, enrosca nas mínimas saliências. Coisas de amador.
O lado positivo é a possibilidade de passar pelos sebos e pelas bancas do Centro e do Carmo. Nessas ocasiões, algumas conversas legais podem acontecer.
Exemplo de conversa legal 1: a história em quadrinhos japonesa Lobo Solitário está sendo reeditada pela Panini. Na Banca do Correio, um homem de cabelos e barba grisalhos, ao ver o encadernado número 1 em minhas mãos, demonstrou grande surpresa com o retorno daquele que foi seu mangá favorito num outro tempo. Entabulamos resenha sobre as capas desenhadas por Frank Miller e a influência do samurai criado por Kazuo Koike nos filmes do Tarantino (Kill Bill, principalmente).
Exemplo de conversa legal 2: a Folha de S. Paulo lançou uma coleção de livros escritos por mulheres. Entre eles, está um volume que há tempos eu perseguia, 15 contos escolhidos, de Katherine Mansfield, boa edição em capa dura por preço acessível. Quando solicitei a obra (também na Banca do Correio), o dono quis saber se não me interessaria pelo volume mais vendido, E não sobrou nenhum, da Agatha Christie. Respondi que, além de já ter o livro, é um dos meus romances de mistério favoritos. Ele confessou também gostar muito da trama em que várias personagens são confinadas numa ilha e começam a ser assassinadas uma a uma. Rimos da existência de pessoas que consideram as obras de Christie literatura de má qualidade.
Essas situações comprovam a tese de Augusto. De fato, entre tantas outras coisas, agradáveis e vagarosas trocas de ideias podem ser encontradas nas calçadas – boa notícia, em tempos de fake news e WhatsApp. Se aprender a ser um caminhante menos preocupado com reviravoltas climáticas, seguindo as observações do Menon, certamente essas andanças serão melhores ainda.
Estou sendo otimista, vejam só. Outra coisa rara em tempos tão turbulentos.