Sirva o café e coloque a torta de cereja para assar – a icônica continuação da série de TV Twin Peaks estreou no domingo nos Estados Unidos (e estreia nesta segunda-feira, no Brasil, pela Netflix), quase 26 anos depois do fim da segunda temporada.
Críticos reagiram tanto com elogios como perplexidade ao episódio de estreia – um deles o chamou de "familiarmente incompreensível". "Depois de quase três décadas, a imaginação visual de (David) Lynch (diretor da trama) continua inimitável", comentou uma resenhista no New York Times.
Mas por que uma série que durou apenas 15 meses e foi exibida há mais de duas décadas teve tanto impacto no público?
A nova série chega às telas em um panorama televisivo bastante diferente de quando nasceu – mas que ajudou a criar.
É bem possível que muitos leitores não tivessem nascido quando a rede americana ABC lançou Twin Peaks, com roteiro girando em torno do assassinato da jovem Laura Palmer, um arriscado projeto do cineasta David Lynch e do roteirista Mark Frost, que mudou a forma de se fazer televisão.
Na época, o público foi fisgado tão logo o corpo de uma jovem envolto em plástico apareceu nas margens do rio de Twin Peaks, uma pitoresca localidade no noroeste dos Estados Unidos.
À primeira vista, a proposta parecia simples: uma série de mistério com um assassinato como pano de fundo. Mas ia muito além: misturava um enredo policialesco de recorte surrealista com elementos oníricos, psicológicos, sexuais e paranormais.
Com duas perguntas: "Quem matou Laura Palmer?" e "O que está acontecendo aqui?", os criadores mantiveram o interesse de um público pouco acostumado com aquela estrutura narrativa.
A série ocupou manchetes, virou alvo de conversas no trabalho e se tornou tema de estudos. Até eventos – pelos menos nos Estados Unidos – eram organizados para se assistir aos capítulos e durante os quais os espectadores gritavam "Queremos saber, queremos saber!".
Cada episódio durava uma hora, mas longas discussões vinham na sequência para tentar decifrar o mistério da história, não apenas nos Estados Unidos, mas em praticamente todos os lugares onde o programa foi exibido.
E tudo isso ocorreu em um contexto em que a internet ainda dava seus primeiros passos – e em que não havia plataformas digitais de distribuição de conteúdo, YouTube ou redes sociais.
Inspiração para séries atuais
Twin Peaks serviu de inspiração para incontáveis séries, que buscam imitar seu clima de sonho e a forma como combinou diferentes gêneros. Entre eles estão Lost, True Detective, Mr. Robot e Westworld, todas séries em que os espectadores são confrontados com enigmas – e pistas, entre verdadeiras e falsas, para resolvê-los.
"O Twin Peaks mostrou que não havia apenas uma forma de se fazer televisão", afirma Damon Lindelof, criador das séries Lost e The Leftovers.
No episódio final da segunda temporada, exibido em 10 de junho de 1991, Laura Palmer (Sheryl Lee) disse ao agente especial do FBI, Dale Cooper (Kyle MacLachlan): "Te vejo em 25 anos". E foi o que aconteceu – ou quase, já que a série chega perto de completar 26 anos.
Seus personagens marcantes estão de volta, como o agente Cooper, Laura Palmer (em flashbacks), a "mulher do tronco" e o Bob, o espírito do mal, entre outros.
Esta é uma das razões da grande expectativa pelo retorno da série. Cooper e suas manias estranhas, como a paixão por café e torta de cereja, volta a estar no eixo da história.
Ele monopoliza as cenas finais tanto da primeira como da segunda temporada – que terminou com Cooper possuído pelo espírito de Bob se batendo contra um espelho.
A trilha sonora e o cenário
Um elemento inseparável da série é sua trilha sonora, criação de Angelo Badalamenti. O tema de abertura é um dos mais marcantes da história da TV – e a porta de entrada perfeita para o clima misterioso da série, para as paisagens deslumbrantes, os cafés ou os desconcertantes e sensuais cômodos de cor vermelha que abrigam tanto sonhos como pesadelos terríveis.
"Os fãs mantiveram viva a lembrança (da série), e agora eles serão recompensados", promete Kyle MacLachlan na página do programa.
A série deve muito a seu fiel público. Ela foi cancelada devido à queda na audiência, mas teve um ressurgimento quando foi lançada em DVD, em meados dos anos 2000, contagiou um novo público com a "febre Twin Peaks".
A nova série tem 18 episódios, todos dirigidos por David Lynch com roteiro co-escrito por Mark Frost. Atores como Michael Cera, Laura Dern e Naomi Watts se juntaram ao elenco.