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Um alerta do espírito literário de Philip K. Dick

"Eduardo tem avaliado a utilidade imediata de alguns volumes - aqueles que já foram lidos e têm pouca chance de serem relidos – e, acima de tudo, a considerar o fator Kindle"

“Não quis mais acumular coisas depois que tive que mudar de casa pela primeira vez”. Quem disse isso foi o Bruno, enquanto bebia cerveja na praça em frente ao Bar do Zinho. Conversava com amigos sobre a dificuldade que encontrava para armazenar livros, gibis, CD’s, DVD’s, revistas e outras coisas em espaços pequenos e o transtorno ainda maior quando essa bagunça tem que ser transportada de um imóvel para outro.

Eduardo – que participava da conversa – sente na pele o que é isso, pois está passando por esse árduo processo.

Começou a colecionar mídias na infância, quando os quadrinhos eram editados em “formatinho” ou formato americano e podiam ser comprados majoritariamente nas bancas de jornal. Mais ou menos no ano de 2010, entrou de vez na era pós-pós-pós-ultramoderna e passou a adquirir livros sob o delírio de promoções e descontos progressivos. Desnecessário dizer que muita tranqueira foi acumulada nesse período – que atire a primeira pedra aquele que nunca deixou um rim no site da Saraiva ou da Amazon, é o que ele sempre diz.

Eduardo tem avaliado a utilidade imediata de alguns volumes – aqueles que já foram lidos e têm pouca chance de serem relidos – e, acima de tudo, a considerar o fator Kindle.

Para quem não sabe do que se trata, o próprio Eduardo explica: Kindle é um leitor de livros digitais desenvolvido pela subsidiária da Amazon, a Lab126, que permite aos usuários comprar, baixar, pesquisar e, principalmente, ler livros digitais, jornais, revistas e outras mídias via rede sem fio.

Em meio a esse dilema, ele resolveu dar mais uma chance aos e-books. No primeiro contato, não tinha gostado muito da ideia de ver a progressão da leitura ser medida em porcentagem. Sentiu falta da numeração de páginas. Ainda acostumado, talvez, a sentir o volume de papel diminuindo na mão direita e aumentando na esquerda.

Fez um teste no último fim de semana. Abasteceu o dispositivo com Angústia, de Graciliano Ramos, Um estudo em vermelho, de Arthur Conan Doyle, O misterioso caso de Styles, de Agatha Christie, O velho e o mar, de Hemingway e os contos de Alice Munro reunidos em Fugitiva. Ler romances é vital. No entanto, Eduardo sente uma grande necessidade de (pelo menos tentar) ler um conto por dia. Quando viaja, sofre. Qual livro enfiar na mala? Já chegou a levar cinco volumes. Um tipo de suicídio no que diz respeito ao peso da bagagem. E, ler que é bom, quase nada.

Passada a experiência, pôde dizer que ir de Luís da Silva a Sherlock Holmes com alguns cliques foi alucinante. Cansado dos dois, leu a narrativa curta homônima do livro de Munro (sua mais recente e viciante descoberta). A frustração por ter carregado livros que se quer foram folheados não deu as caras – afinal, o formato epub não pesa nada. A porcentagem de páginas lidas é coisa com a qual, depois de um tempo, dá pra conviver – e ler naquela tela é bem agradável.

Em texto publicado na revista Piauí, Pedro Meira Monteiro relata que Ricardo Piglia, ao ser presenteado com um Kindle por seus alunos de doutorado, exclamou: “Uma máquina de ler!” Eduardo fica imaginando o que Philip K. Dick diria a respeito do e-reader.

A convivência com o leitor digital vai indo bem. Porém, ainda há arestas: vez ou outra, uma voz cochicha no seu ouvido a possibilidade de um futuro tão ou mais distópico do que a atual realidade, mundo em que haveria um colapso elétrico que traria de volta a era dos lampiões a querosene.

Talvez seja um alerta do espírito literário de Philip K. Dick para que Eduardo sempre mantenha o essencial dos livros impressos na estante, apesar da evidente utilidade da “máquina de ler”.

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