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Um notebook e uma Pentel

"Milton Hatoum usa qualquer caneta. Marçal Aquino faz literatura em cadernos. Manoel de Barros apontava seus lápis antes de se debruçar sobre dicionários à procura de palavras para seus poemas. "

Na introdução de Cinematógrafo de letras, Flora Süssekind menciona a cena de abertura do filme Hammett. Nela, o diretor Wim Wenders mostra o personagem-título que, de costas para a janela, datilografa de maneira frenética. Em ritmo industrial e sem fazer rascunhos, ele escreve contos policiais para publicação imediata.

Por esses dias, vi uma postagem de Lourenço Mutarelli no Instagram. Era um vídeo em que apenas o teclado de um notebook preenchia o foco da câmera. Vemos somente as mãos de Mutarelli batendo nas teclas, fazendo um barulho bem mais suave que o gerado pela máquina de Hammett. Penso que tanto no caso do artista brasileiro quanto no do autor estadunidense (interpretado, aliás, por Frederic Forrest) o ruído dos digitadores é o som das ideias em movimento.

O tema dos instrumentos utilizados pelos escritores na elaboração dos seus respectivos trabalhos sempre me interessou. Isso talvez tenha começado quando me deparei pela primeira vez com o conto “Olhar”, de Rubem Fonseca. Ali, o narrador-protagonista escreve sempre com uma caneta tinteiro, em folhas especiais importadas da Espanha. Além disso, o sujeito considera idiotas os que usam microcomputadores. Quem já ouviu falar do método de produção fonsequiano sabe que isso pode ser uma piscadela lançada ao leitor, já que Fonseca era viciado em processadores de texto.

Há também autores de carne e osso que juram escrever somente à mão. Milton Hatoum usa qualquer caneta. Marçal Aquino faz literatura em cadernos. Manoel de Barros apontava seus lápis antes de se debruçar sobre dicionários à procura de palavras para seus poemas. Mero mortal em busca de inspiração, fico perdido entre os métodos. Gosto da ideia do lápis, mas confesso que me irrita ter que interromper a escrita para afinar a ponta mal calibrada. Fico encantado com o tec-tec moderno dos laptops. Porém, a tela em branco do Word me assusta. Por isso, voltei a usar uma velha companheira dos tempos de firma.

Minha lapiseira é um modelo Pentel de calibre 0,5 mm e cor vermelha. Embora seja um pouco mais cara do que as outras, recomendo a aquisição, pois sua estrutura promete bons anos de uso. Em comparação ao lápis, o traço é mais preciso e constante, ótima alternativa para pessoas que têm o hábito de sublinhar trechos e fazer anotações em livros. A caligrafia fica certinha, quase como se fossem notas de rodapé vindas de fábrica.

No Twitter, encontrei uma entrevista com Akira Kurosawa em que o cineasta japonês explica o processo criativo de Balzac. Segundo ele, o autor francês preenchia os dois lados de uma grande folha, até que não houvesse mais espaço. Depois, voltava fazendo correções e puxando notas de dentro do corpo do texto. É provável que usasse uma pena e que, a cada período finalizado, mergulhasse sua ponta em um tinteiro de vidro. Ainda assim, com vagar e paciência, escreveu o que escreveu.

Fico imaginando o que ele faria caso tivesse acesso a um notebook e a uma Pentel. Certamente sairiam grandes novelas e romances rascunhados em letra miúda. Tudo seria transcrito para o Word com fonte Times New Roman 12 e espaçamento simples.  Veríamos um bom equilíbrio entre artesanal e tecnológico.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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