Depois de ser um dos protagonistas da prova mais rápida de todos os tempos nos 400m com barreiras na final dos Jogos Olímpicos de Tóquio e voltar para o Brasil com um bronze, Alison dos Santos escalou vários degraus nesta terça-feira, 19.07, nos Estados Unidos. No Mundial disputado em Eugene, o brasileiro deixou para trás o americano Rai Benjaim, ignorou a presença do recordista mundial, o norueguês Karsten Warholm, e cruzou a linha de chegada em primeiro com 46s29.
O norueguês, que disputava a liderança da prova, perdeu rendimento na última curva, esbarrou numa barreira e ficou fora do pódio, que se completou com dois americanos. Assim como em Tóquio, Rai Benjamin levou a prata (46s89). A novidade foi Travor Bassit (47s39) cruzar a linha de chegada em terceiro.
"Sabe quando você sonha com alguma coisa, quando você acorda todo dia da sua vida pensando em um momento, no que tem de fazer para alcançar aquilo? Eu estava nessa temporada dessa maneira, sonhando com esse resultado, com essa vitória, com o lugar mais alto do pódio. Eu sabia que era possível", disse Alison, em entrevista ao Sportv após a prova.
Suporte assíduo
Alison é integrante da categoria Pódio, a principal do programa Bolsa Atleta do Ministério da Cidadania, desde 2019. Voltada para esportistas que se qualificam entre os 20 melhores do mundo em suas modalidades, a Bolsa Pódio garante um repasse mensal de R$ 5 mil a R$ 15 mil para os atletas, de acordo com os resultados apresentados. No edital de 2022, há 353 contemplados, entre atletas olímpicos e paralímpicos.
"Não se ganha nada sozinho. Esse resultado é um trabalho de uma equipe. Por isso, queria agradecer a todos os que participaram. O Bolsa Atleta, a Marinha, o clube, a todos os que participam comigo cotidianamente", disse Alison.
Ao longo da carreira, ele foi escalando as categorias do programa. Em 2016, fazia parte da categoria de Base. Em 2017, passou para a Nacional. Em 2018, subiu para a Internacional. Desde 2019, é frequentador assíduo da Pódio. O investimento total do Governo Federal diretamente para o atleta nos seis editais do período supera os R$ 481 mil. Alison também é integrante do Programa de Atletas de Alto Rendimento das Forças Armadas.
Destruidor de marcas
O tempo do atleta de 22 anos e 2,00m de altura é o melhor já registrado na prova na história de campeonatos mundiais. É o terceiro melhor de todos os tempos. Determina um novo recorde sul-americano. Estabelece a melhor marca da temporada em que Alison lidera o ranking. E permite ao brasileiro sonhar ainda mais alto, inclusive em superar os 45s94 registrados por Warholm na final olímpica do Japão.
“Falo muito com meu treinador (Felipe de Siqueira). A gente sempre conversou de querer fazer história. A gente quer ser uma lenda, deixar o nome para daqui a 30, 40, 50 anos, as pessoas se lembrarem do Alison dos Santos, dos 400m com barreiras, do que a gente fez na pista. E tem de começar cedo. Não dá para esperar 2024, 2028. Essa marca de 45s é possível. Em algum momento 46s foi distante, hoje não é. As portas estão abertas. Se o Warholm corre 45s, eu e o Benjamim também podemos. A pergunta não é nem se é possível, mas quando", sentenciou.
O resultado em Eugene dá ao Brasil um título mundial que não vinha no atletismo desde a façanha de Fabiana Murer no salto com vara em 2011. A medalha de Alison é a 14ª do Brasil na história dos mundiais, iniciada em 1983, em Helsinque, na Finlândia. O país soma dois ouros, seis pratas e seis bronzes. O Brasil tem 57 atletas na competição nos Estados Unidos, que prossegue até o dia 24 de julho, com a participação de 1.900 inscritos, representando 192 países, em 49 especialidades.
Crescimento consistente
Para chegar ao resultado, Alison guardou todas as energias para Eugene. Não competiu na temporada indoor, em pista coberta, nos primeiros meses do ano. Iniciou a preparação em outubro de 2021, em São Paulo, e prosseguiu depois em Chula Vista, no Centro Olímpico de Treinamento dos Estados Unidos, na região de San Diego, a partir de março.
Também ficou alguns dias, entre as etapas de Oslo e Estocolmo da Liga Diamante em junho, num centro de treinamento na Turquia, numa preparação elaborada pelo treinador Felipe de Siqueira da Silva, que o acompanha no dia a dia nesta temporada no exterior desde março.
Piu, como é conhecido no atletismo, terminou invicto nos 400m com barreiras antes da final do Mundial, mas mantém o foco para os Jogos Olímpicos de Paris-2024. Antes, ele tentará o bicampeonato dos Jogos Pan-Americanos de Santiago-2023.
Ao infinito e além
O atleta sempre gostou de sonhar alto. O bronze dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, foi o início, reafirmado agora. “Temos de pensar grande e trabalhar para alcançar os sonhos”, afirmou. “Em 2019, meu objetivo era o ouro no Pan-Americano Sub-20 em San José, acabei ganhando e depois venci os Jogos Pan-Americanos de Lima, o Sul-Americano, a Universíade de Nápoli e fui finalista no Mundial de Doha”, comentou. Tudo isso aos 19 anos.
Medalha de ouro no revezamento 4x400m misto no Mundial Sub-18 de Nairóbi-2017, no Quênia, e bronze nos 400m com barreiras no Mundial Sub-20 de Tampere-2018, na Finlândia, Alison, nascido em 3 de junho de 2000, em São Joaquim da Barra, interior de São Paulo, começou no atletismo ao ser convidado para fazer um teste na escola e, aprovado, foi chamado para treinar. Disse que demorou quatro meses para ir, incentivado por um amigo que treinava. Foi descoberto pela técnica Ana Cláudia Fidélis, do Instituto Edson Luciano Ribeiro, em São Joaquim da Barra.
Em 2019, aos 19 anos, quebrou sete vezes o recorde sul-americano sub-20. Depois da pandemia de 2020, quando não competiu, em 2021 quebrou seis vezes o recorde sul-americano dos 400m com barreiras, correu oito vezes a prova abaixo dos 48 segundos e obteve a terceira melhor marca da história no Ranking da World Athletics ao conquistar o bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio, com 46s72.
Também foi medalhista de prata com o 4x400m misto do Brasil no Mundial de Revezamentos da Silésia, Polônia, e segundo na final da Liga Diamante, dia 9 de setembro, em Zurique (SUI), superado apenas pelo norueguês Karsten Warholm, recordista mundial, bicampeão mundial e campeão olímpico.
Esporte e autoestima
Quando tinha dez meses de idade, o óleo quente de uma panela caiu sobre Alison e causou queimaduras de terceiro grau na criança. As cicatrizes mais visíveis são em sua cabeça e em um dos lados de seu rosto, que tem a pele um pouco mais escura. Durante muito tempo, ele foi uma criança tímida e retraída. Usava boné para não deixar a cabeça visível. A evolução que teve no atletismo foi decisiva para que ele tivesse a autoestima recuperada.
“O atletismo me fez ser uma pessoa diferente, melhorar meu jeito de ser, entender e me aceitar mais. Antes eu realmente tinha vergonha. Ficava triste com olhares e comentários. Abalava a minha confiança. Hoje, sei que isso faz parte de mim, como um símbolo, um orgulho das lutas que venci. O atletismo me fez entender que não é necessário ter essa timidez porque todos somos iguais, ninguém é melhor que ninguém”.