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Gil Marin e o dom de transformar vidas com o esporte

Confira a história do professor de educação física que revelou atletas e inspirou cidadãos

O esporte de Araraquara deve muito a ele. Professor de educação física há 46 anos, Gilberto Paganini Marin – ou simplesmente Gil, como gosta de ser chamado – costuma ficar marcado na lembrança e no coração de seus alunos, não apenas por ensinar de forma habilidosa todos os recursos e detalhes das disciplinas propostas, mas por utilizar o esporte como ferramenta para difundir valores que serão utilizados por toda a vida.

Com tanta competência e determinação em uma área que se tornou cada vez mais essencial na educação, naturalmente o professor inspirou muitas crianças e adolescentes a seguirem no esporte e se tornarem atletas, alguns inclusive com passagem pela Seleção Brasileira, como o armador Nezinho, que atualmente defende o time do Universo/Brasília, e a ala Mariane Carvalho, que hoje atua no cenário norte-americano. Porém o que o enche de satisfação é encontrar ex-alunos que, mesmo sem seguir a carreira esportiva, se tornaram cidadãos que utilizam, em suas vidas, os princípios morais aprendidos com o esporte.

Assim, por conta dos inúmeros projetos desenvolvidos ao longo de sua carreira, grande parte direcionada ao basquete, hoje é impossível não relacionar o nome de Gil à modalidade. E se Araraquara sempre foi vista como um dos grandes celeiros de talentos no basquete, muito desse crédito se deve ao professor. 

Hoje com 68 anos de idade, Gil completou quatro décadas de casamento com sua esposa Léa, com quem construiu uma família com dois filhos, Ivan e Marcela, e dois netinhos, Cadu e Ana. Formado pela Escola Superior de Educação Física de São Carlos com Especialização em Basquete pela USP-SP, o professor é aposentado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e é docente da Uniara nas disciplinas de Introdução e História da Educação Física, e Teoria e Prática do Basquete. 

Em entrevista ao Portal Morada, ele falou sobre sua trajetória. Confira!

O início

Gilberto Paganini Marin nasceu em 1952 em São Paulo, mas com um mês já morava em Araraquara. Filho de Fernando Marin Artero e Iris Paganini Marin, ele passou a infância jogando futebol no Tremendão Futebol Clube, timinho da molecada do Jardim Primavera, que tinha seu campinho onde é hoje o Teatro Municipal. "Sem habilidade nenhuma, era colocado na defesa como 'beque de estouro', com as instruções: o que vier, chuta pra qualquer lado", brinca o professor.

Na adolescência, entre 14 e 15 anos de idade, Gil foi levado por um amigo à piscina da Ferroviária, tomou gosto e começou a frequentar o local. Em uma seleção para descobrir nadadores, ele foi convidado a participar da equipe de natação da cidade. "Venci algumas provas, mas precisei parar para trabalhar e ajudar a família. A natação ficou na cabeça", revela.

Mergulho no basquete

Posteriormente, enquanto trabalhava em um banco, Gil conseguiu juntar dinheiro para prestar o vestibular e pagar as primeiras mensalidades da faculdade de educação física. Uma promoção no trabalho permitiu ao jovem continuar seus estudos. "Entrei na faculdade para ser professor de natação, mas o basquete cruzou meu caminho. A não ser a natação, não tinha praticado mais nenhuma modalidade, pois tinha dispensa médica das aulas no ginásio, o famoso na época, EEBA. Tive que aprender tudo", explica.

Logo no início da faculdade, em uma aula de basquete, Gil ainda não sabia jogar, por isso assumiu a arbitragem. Em seu primeiro erro, o professor tomou o apito de sua mão e disse: "Você não sabe nada". Foi aí que Gil pensou: "Você vai ver, professor!".

Na época, o esporte de Araraquara era gerido pela Comissão Central de Esportes (CCE), que depois viria a se tornar a atual Fundesport. Assim como hoje, sua sede funcionava no Gigantão. Lá havia uma escolinha de basquete comandada pelo professor José Barbanti Neto, a quem Gil, na ocasião com 20 anos de idade, pediu uma chance para treinar com a equipe. "Expliquei a situação e, como trabalhava meio período no banco, comecei  a fazer aulas com a turma que tinha entre 14 e 15 anos. Adulto, treinando com meninada. Aprendi a jogar basquete e o interesse foi aumentando", destaca.

Ele conta que Paulinho Gonzalez, que jogava pela CCE, começou a fazer faculdade também, e juntos resolveram formar uma escolinha, já que o professor Barbanti estava se afastando. "Juntávamos  crianças de todos os bairros, dávamos aula à noite, nos finais de semana. A quadra do Gigantão ficava cheia. Não ganhávamos nada, fazíamos pelo prazer de trabalhar com basquete", recorda.

O professor terminou a faculdade em 1975, passou em concurso público e ingressou no Estado, em escola pública, que o fez lecionar durante dez anos em São Paulo. Teve que se afastar do basquete de Araraquara, que durante esse período ficou nas mãos de Paulinho Gonzalez e Onofre Held. Na capital paulista, Gil também trabalhou em escolas particulares e com natação em condomínio, em clubes como o Paineiras do Morumbi e o Juventus da Mooca, com equipes de veteranos. "Um tempo muito interessante, onde os treinos eram levados a sério. Disputávamos a UVB (União dos Veteranos do Brasil) e a equipe jogava contra grandes astros do basquete brasileiro do passado, como Mosquito, Marquinhos, Rosa Branca, Amaury, Menon e muitos outros", lembra o professor.

De volta a Araraquara

Em 1989, Gil retornou a Araraquara para trabalhar na Escola Léa de Freitas Monteiro. Sua jornada de 60 horas de trabalho na capital paulista caiu para 30 em Araraquara, por isso concluiu que precisava fazer mais alguma coisa. "Montamos um clubinho de basquete no Léa. Tinha diretoria, reuniões e mensalidades, que eram revertidas em material esportivo, sorteio de brindes, tudo dirigido pelos alunos. Crianças de fora da escola vinham participar. Muita criança, muito basquete", se orgulha o professor, que ficou marcado no coração de uma legião de alunos daquela época.

Em 1993, com o afastamento de um professor, ele foi chamado para trabalhar numa escolinha de basquete no Colégio Progresso. "Duas mães, Marlei e Suzy, tinham conseguido a cessão das quadras do colégio e de um grupinho de poucos alunos. Durante alguns anos tivemos sempre turmas numerosas, com campeonatos internos, o Tip Tip, que enchia as arquibancadas do ginásio com a torcida. Devido ao aumento de custos, tivemos que encerrar as atividades", conta.

Nessa época, o professor já estava com um projeto de basquete no Clube 22 de Agosto e acabou levando muitos garotos para lá. "Esse seria o início das equipes competitivas do clube, onde surgiu, entre outros, Nezinho, aluno do professor Carlão, da Escola Narciso da Silva César. Os diretores Salame e José Alberto davam todo o incentivo e cobertura. As equipes cresceram e, comandadas por Juquinha, montou-se um adulto muito forte e, dirigido por Paulinho Gonzales, o juvenil foi campeão Paulista", salienta.

Posteriormente, Gil partiu para outro projeto, que contava com um patrocínio forte, porém não vingou. "Disputamos por um ano os jogos da Federação Paulista com poucos recursos, o técnicos sem salário regular, mas trabalhando com dedicação pelo basquete", avalia.

Revelação de talentos

Em 1998, o professor passou em um concurso no Sesi para trabalhar como técnico desportivo de basquete e ali teve início um ciclo ininterrupto de formação de jovens através da modalidade. No mesmo ano, Gil apresentou um projeto de escolinhas – que estavam desativadas – ao professor Jarbas Barbosa, presidente da Fundesport. "Começamos então um trabalho que só se encerraria em 2008, por um grave equívoco político. Vários polos na cidade, muitas crianças fazendo basquete. À época que a Uniara começou seu avanço nos campeonatos, ônibus da Uniara iam buscar as crianças no polos e colocávamos mais de 250 alunos no Gigantão", recorda.

Gil e o professor Juliano Brogna começaram a realizar torneios com os participantes das escolinhas. "As quadras tinham que, a duras penas, ser agendadas durante a semana. Não tínhamos arbitragem, fazíamos tudo, os coletes eram os desgastados dos treinamentos", relembra.

Em um dos jogos, uma equipe muito bem uniformizada se apresentou, destoando de todas as demais. "Tinha patrocínio e tudo. Airam Mantovani, pai de um dos meninos dessa equipe, Lucas, sensibilizou-se e me pôs em contato com o patrocinador, Celso Haddad, então sócio proprietário da Imobiliária Chalu. Nascia a Copa Chalu de Basquete, com todas as equipes uniformizadas e com medalhas e troféus na final", relata. 

Juliano Brogna, então já professor do Sesc, conseguiu uma reunião onde os dois sugeriram o trabalho, que foi prontamente aceito. "Assim, o projeto iniciou um novo ciclo, com o uso das quadras do Sesc. Posteriormente, o torneio teve seu nome alterado para Copa Sesc HDZ de Basquete, que é onde Celso Haddad é sócio agora. Neste ano de 2020 seria nossa 17ª Copa. Um sucesso, mais de 200 crianças jogando todos os anos, constando do calendário do Município, e o encontro mais esperado pela garotada do basquete da cidade", conta Gil.

O professor relata que em 2008, o polo do Selmi Dei, que era um dos mais frequentados desde 1998, com mais de 120 crianças inscritas anualmente, foi encerrado pela Fundesport, sem  qualquer explicação plausível. "Foi o fim de uma era das escolinhas de basquete na cidade. Hoje voltaram as escolinhas da Fundesport e o Projeto Sonhando Alto também trabalha nesse campo", lembra ele.

Projeto Roseli

Mais tarde, em uma ação pensada em 2009, Gil se juntou à ex-jogadora araraquarense Roseli Gustavo, que com o apoio do vereador Carlos Nascimento, implantaram em 2010 o Projeto Roseli de Basquete.

"Esse projeto tinha como objetivo trabalhar somente com meninas, todas uniformizadas, material de primeira qualidade, vários polos na cidade, professores experientes. Sucesso também. Mais de 300 meninas passaram pelo projeto, muitas disputando ainda os campeonatos da cidade", destaca. 

Primeiramente, a iniciativa foi mantida pela Fundesport, depois funcionou com verba federal e com o fim dessa, sem haver meios de continuar, foi encerrada em 2015.

Plantando sementes

Gil sempre teve sua carreira focada na educação física, mas sempre manteve, paralelamente, o trabalho em torno do basquete escolar. "A educação física para todos e o basquete nas turmas de treinamento para aqueles que se destacavam e queriam competir. Trabalhei no Léa de Freitas Monteiro, em Rincão, em Américo, em Nova Europa. Em todas as escolas que passei, e foram muitas, plantei uma sementinha de basquete", se orgulha.

Na Escola Dorival Alves, nos últimos anos antes de sua aposentadoria, as equipes orientadas por Gil chegaram em praticamente todas as finais estaduais dos Jogos Escolares, tanto no masculino como no feminino. "Foram dois vice-campeonatos e sempre entre os cinco primeiros do estado, mas o principal, sempre com muito companheirismo e histórias guardadas", acrescenta.

No Sesi, a partir de 1998 iniciou-se um projeto de basquete, o PAF, que perdurou por 22 anos. "Nos anos de 2010 a 2015, por conta da parceria entre Sesi e Fundesport, tive o grato prazer de trabalhar com meus antigos alunos Roseli Gustavo e André Carrascoza. Pudemos aumentar as turmas e a carga de treinamento e vencemos praticamente tudo que foi disputado nesse período. Foram anos de grandes disputas, títulos, muitas viagens, alegria e a certeza de que ninguém passa pelo basquete sem se tornar melhor. Alguns atletas se destacaram no basquete regional e estadual, alguns jogando nas equipes universitárias americanas, mas sobretudo, aqueles muitos que não se destacaram e tiveram uma formação de cidadãos e uma época feliz de suas vidas", analisa. 

O professor dirigiu por dois anos a equipe feminina adulta da cidade nos Jogos Regionais, passando então o bastão para André Carrascoza. "Em 2017, essa equipe, então dirigida pelo professor André, foi campeã dos Jogos Regionais em Sertãozinho. Das 12 meninas em quadra, 10 tiveram seu berço no Sesi", revela.

Assim, Gil participou ativamente de um período de progressos no basquete com o trabalho realizado no Sesi. "Os últimos cinco anos foram voltados para um grupo, do qual eu tive honra de  fazer parte, que estava desenvolvendo um trabalho de altíssimo nível em basquete, com todo o suporte das equipes de Franca, inclusive o adulto", ressalta.

O trabalho realizado no Sesi gerou um grande fruto com o fortalecimento da equipe feminina adulta, que se iniciou com atletas da cidade, ganhou força, se reforçou e atingiu um patamar elevado no cenário nacional. Começou comandada pelo técnico André Carrascoza e atualmente é orientada por Daniel Wattfy. Mas Gil teme pelo atual momento de pandemia do novo coronavírus, que coloca a continuidade do projeto em risco, já que recentemente o Sesi demitiu uma grande quantidade de professores e técnicos esportivos de mais de 50 unidades.

Bons tempos

Hoje, Gil olha para trás e vê com orgulho o legado que deixou e ainda ajuda a construir no esporte de Araraquara. "Desde que pisei pela primeira vez em uma quadra de basquete, por uma deselegância de um professor da faculdade, lá se vão 46 anos. Anos de muita atividade, mas também de muita satisfação por ajudar a educar crianças e jovens. Jovens, muitos já adultos, que quando me encontram em qualquer lugar, vêm me cumprimentar e lembrar dos 'velhos bons tempos'. Bons tempos mesmo", destaca Gil.

Para analisar sua trajetória profissional, o professor cita uma famosa frase sobre trabalho. "Confúcio disse: 'Escolha um trabalho que gostas e não terás que trabalhar um único dia de sua vida'. Sendo assim, nunca trabalhei. Dei sempre o melhor que sabia e isso me trouxe, pela minha vida toda, grande alegria e prazer", finaliza Gil.

Confira abaixo algumas fotos de Gilberto Marin.

 

 

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