InícioEsporteAtletismoNoeme Pereira: Uma guerreira do atletismo

Noeme Pereira: Uma guerreira do atletismo

Fundista completou 20 anos levando o nome de Araraquara aos pódios do Brasil

Quem acompanha as notícias esportivas de Araraquara sabe que não seria exagero se o nome de Noeme Pereira fosse integrado ao dicionário como um dos sinônimos da palavra 'determinação'. Hoje com 43 anos de idade, ela comemora o fato de ter completado recentemente 20 anos de atletismo e, melhor, 20 anos representando o nome de Araraquara pelo Brasil.

Ela é nascida de uma família que veio de Minas Gerais a Araraquara em busca de uma melhor oportunidade de vida. Graças ao esporte, ela conseguiu superar todos os obstáculos que cruzaram seu caminho e ao mesmo tempo retribuiu à cidade o carinho em forma de conquistas que a colocam hoje como um dos maiores nomes do atletismo araraquarense.

Por isso, gratidão é o que não falta à campeã. "Eu vivo todos os dias festejando o esporte em minha vida, seja em treino, seja em competição. O esporte é o que me dá fôlego de vida" resume ela, que concilia sua rotina de atleta com o trabalho como monitora em escolinhas de esportes e também com seus treinamentos de corridas para adultos.

Em entrevista ao Portal Morada, Noeme contou sobre sua trajetória, falou sobre momentos emocionantes e projetou metas. Confira!

O início

Noeme Maria Pereira nasceu no dia 6 de julho de 1976 em Porteirinha, pequeno município localizado no norte de Minas Gerais. É filha de Clemente José Pereira e Madalena Maria de Jesus, que tiveram outros cinco filhos. Quando ela tinha 12 anos de idade, veio com sua família para Araraquara. "Sou de uma família muito pobre, morávamos em roça, trabalhadores rurais, e viemos para Araraquara como forma de melhorar as condições de vida. Meu pai tinha parentes que já moravam aqui. Buscávamos uma vida melhor e graças a Deus deu tudo certo", relembra. 

Ela conta que quando chegou na cidade, morava em uma casa bem pequena no Altos da Vila Xavier. "Quando chegamos, moramos de favor em casa de tios. Meu pai começou a trabalhar como pedreiro e depois ele foi trabalhar como jardineiro. Minha mãe era dona de casa, não fazia nada, não tinha conhecimento, não tinha profissão, os dois não tinham profissão, analfabetos. Eu, com 12 anos, fui trabalhar como babá e empregada doméstica", recorda a atleta.

Importância dos estudos

Do Altos da Vila, a família se mudou para uma casa de dois cômodos no Jardim Biagioni. "Do Biagioni nós nos mudamos para os predinhos do Jardim Paraíso, então foi aí que minha vida começou a mudar. Como eu sempre fui de uma família carente, não tínhamos formação profissional ou estudos. Essa não era uma perspectiva para todos, só que eu sempre tive um sonho, sempre quis muito estudar, então eu sabia que para mudar de vida, para melhorar as condições sócio-econômicas, eu precisava estudar. Sempre tive esse objetivo, queria fazer direito, nada me tirava esse sonho", relata.

Noeme tinha a consciência de que somente o conhecimento a levaria a alçar voos mais altos na vida e assim dar condições melhores de vida para sua família. "Sabemos que sem estudos nós não somos nada, ninguém tira nosso conhecimento. Então é um parênteses que eu abro para todos os jovens: por mais que tenha um sonho de ser um grande atleta, ou as meninas de serem modelos, embora hoje ninguém quer ser modelo, quer ser youtuber, influencer digital, mas independente do que queira, é preciso estudar. Se não estudamos, não somos ninguém", acrescenta. 

Assim, a menina estudou o ensino fundamental na Escola Dorival Alves, na Vila Xavier, e o ensino médio na antiga Escola Francisco Sales Culturato, na Avenida 36. "No Dorival, uma professora que me marcou muito foi a Araci, de história, que infelizmente faleceu, mas era uma professora muito amorosa, atenciosa, que me dava muitos conselhos. Me lembro muito bem que um dia cheguei para ela e disse que eu queria um livro que me desse muito conhecimento. Aí ela me respondeu que não tem um livro só, que eu teria que ler bastante, ler jornal, revistas informativas e livros. Ela me marcou muito porque ela me orientava, ela me deu alguns livros, algumas revistas de conteúdos informativos, então ela sempre estava comigo", lembra.

Com o intuito de passar no vestibular, Noeme estudou durante três anos no Cuca, cursinho pré-vestibular voltado para alunos carentes de Araraquara. "Eu prestava direito, na época era direito na Unesp, em Franca. Não tinha bolsas de estudos em universidades particulares. Eu não tinha condições de estudar em uma particular, as escolas públicas eram muito difíceis de conseguir entrar, principalmente para quem vinha de escola pública, tanto que eu não entrei. Mas eu continuava ali com meu sonho, estudando. Estudava muito, à noite, final de semana e trabalhando. Trabalhava como faxineira, empregada doméstica, babá… Então essa foi praticamente minha adolescência", conta ela. 

Conhecendo o esporte

Durante o tempo que estudava, Noeme passou a se interessar pelo esporte. "Eu sempre gostei muito de fazer atividade física, então eu saía para caminhar, eu ia no bosque do Botânico, caminhava, dava aquela arejada na cabeça, depois voltava para estudar ou ia trabalhar", relata. 

No Botânico, havia uma turma de treinamento que frequentava o local sob a orientação de um professor de educação física. Certo dia, em abril de 2000, o professor a abordou e disse que ele a via caminhando e que tinha percebido nela um potencial para ser corredora, por isso a convidou para treinar com a equipe na Pista de Atletismo Armando Garlippe, na Avenida 36. À princípio, Noeme negou o convite, dizendo que aquilo não era para ela. "Embora cuidando da saúde e gostando de caminhar, eu nunca imaginava ser atleta. Esse não era meu foco, meu foco era estudar", salienta.   

Como Noeme estava desempregada nessa época, só estava estudando, aceitou a oportunidade. "Acho que a vida nos oferece várias portas, várias oportunidades, e nós temos que aproveitar, ao invés de se arrepender por não aproveitar as oportunidades que o mundo nos dá. Então eu aproveitei e decidi ir lá na Pista. Foi terrível a experiência, acho que não consegui correr um minuto", recorda, sorrindo. 

"Mas esse professor era muito atencioso. Ele não mora mais em Araraquara. Ele estava aqui fazendo um trabalho, tentando montar um projeto de atletismo e começou a falar do esporte, o que o esporte fazia na vida das pessoas, os vários benefícios, não só para a saúde, mas como que através do esporte eu poderia melhorar minha vida social, conseguir bolsas de estudos, melhorar minha condição sócio-econômica, poderia conseguir uma bolsa de estudos na faculdade, poderia ter um salário. E então eu agarrei isso com muita vontade, com muita determinação mesmo", diz Noeme.

O professor sempre falava que ela tinha jeito para ser uma grande maratonista e ela confiou no conselho. "Eu acreditei muito na palavra dele. Para se ter uma ideia de como é importante as palavras que a gente fala para os outros, ele falou que eu tinha condições, que eu tinha grande potencial e eu falei: então vamos explorar esse potencial", relata ela.

"Potencial eu não sei se é exatamente a palavra do que eu tenho, mas tenho muita garra, muita coragem, muita vontade e eu acho que quando temos garra, determinação, persistência e perseverança, isso se sobressai, isso vai muito além da genética e do potencial que nós temos", complementa.

Assim, ela começou a levar os treinamentos a sério. "Eu comecei a treinar e não foi fácil. Não é fácil ser atleta no país, não só no país mas também não é fácil sermos atletas, atingir alguns sonhos que queremos, mas quando queremos algo tudo fica mais fácil. No princípio, eu queria treinar para conseguir uma bolsa de estudos, mas depois fui gostando de treinar. Agarrei mesmo com todas as minhas forças, fazia tudo direitinho, treinava com muita determinação, todos os dias com muita garra. Independente se estava sol, frio ou chovendo, estava treinando. Nunca abandonei um treino, sempre falei que se era para me dedicar, iria me dedicar 100%", destaca.

Resultados rápidos

No mesmo ano 2000, Noeme começou a obter bons resultados em provas da região e com isso entrou para a equipe de atletismo de Araraquara. "Comecei a ir para competições em nível regional. Desde 2000 eu represento Araraquara nos Jogos Regionais e aí foram vindo as outras competições em nível estadual e nacional", salienta. 

Motivada a melhorar cada vez mais suas marcas, Noeme se aprimorou no atletismo. "Eu fui treinando, fui melhorando minhas marcas esportivas e consegui uma bolsa na faculdade. Na realidade eu queria fazer direito, mas não entrei em nenhuma universidade pública, e por falta de opção fui fazer educação física na Unip. Graças a Deus eu escolhi o melhor curso, amei e amo minha profissão. Inicialmente achava que não ia gostar, mas ainda bem que não fui pro direito, porque se eu fizesse hoje, seria uma advogada frustrada porque minha profissão é o que mais amo: educação física e ser atleta", explica ela. 

Mesmo com muito treinamento, ela sempre trabalhou. Após se formar em educação física, passou em um concurso público na prefeitura e desde 2006 trabalha como monitora de escolinhas de esportes. Assim, concilia uma jornada tripla: o trabalho com crianças e adolescentes, seu treinamento para corridas e o treinamento de corrida de rua para adultos. "Viver do esporte no Brasil é uma coisa bem difícil. São poucos que conseguem, um percentual muito baixo, principalmente falando de atletismo. Se fosse o futebol, talvez viveria, mas outros esportes é muito difícil viver no Brasil", avalia.

Segundo a atleta, o segredo do sucesso é amar o que faz. "Faço tudo com muito amor, eu gosto da minha profissão. Eu ensino o que eu aprendi, que é minha vida, que é correr, que é praticar esportes, então eu vivo o esporte 24 horas por dia. Se falar que dá para viver do esporte, dá, não viver financeiramente como corrida, mas viver do esporte é o que vivo 24 horas, respiro isso", afirma.

Com essa experiência, Noeme tenta transmitir aos seus alunos as lições deixadas pelo esporte. "Eu tento passar isso para os jovens, para as crianças que eu trabalho, o quanto vale a pena aproveitar as oportunidades e como vale a pena a gente praticar um esporte. Se vai ser um atleta olímpico, ótimo. Se não, a gente se torna muito mais determinado, perseverante, sem contar a saúde que a gente adquire. Então todo mundo deveria praticar um esporte, que é fundamental na vida da gente", destaca.

Momentos especiais

Noeme Pereira revela que tem dois momentos especiais no esporte. O principal foi quando conquistou o ouro nas provas de 5 e 10 quilômetros nos Jogos Regionais de 2013, que foram sediados em Araraquara. "Competir no meu município, representando Araraquara, e ser campeã da prova foi um momento bem emocionante porque competi na Pista, onde eu sempre treino. Ser campeã foi maravilhoso", descreve. 

A outra passagem inesquecível aconteceu em 2012, no Troféu Brasil de Atletismo, maior torneio de atletismo de pista, que reúne os melhores atletas de todo o país. "Eu fui a quarta melhor atleta na prova de 10 mil metros, ficando atrás de apenas três atletas que na época eram de dois grandes clubes, a BMF, que era de São Caetano, e Clube Pinheiros. Para mim foi muito emocionante. É o maior torneio, que todo atleta tem essa vontade de participar e eu fui, e fui a quarta colocada, com uma marca de 35m30s nos 10 mil, foi emocionante", justifica. 

Noeme também possui outras marcas memoráveis no atletismo de Araraquara. Foi dez vezes campeã dos Jogos Regionais na prova dos 10 mil metros, além de nove vezes campeã da Corrida de Santo Onofre, prova mais tradicional do calendário esportivo de Araraquara. "Ser nove vezes campeã é um feito que ninguém tem. Na época, quando comecei a competir, foi minha primeiro prova de rua, corri pela primeira vez em dezembro de 2000 e cheguei em última. Depois venci nove vezes esse título importantíssimo", ressalta a atleta, que também já faturou medalhas de ouro em Jogos Abertos do Interior e em 2016 foi vice-campeã da Maratona Internacional SP City Marathon, prova de 42 quilômetros em São Paulo, que ela cumpriu com o tempo de 2h57m. 

Esporte em sua vida

Hoje, Noeme não encontra palavras para definir a importância que atribui ao esporte. "O esporte significa minha vida. Nele está tudo que eu aprendi, foi onde eu conquistei a minha profissão, onde eu pude adquirir conhecimento. Sou formada em educação física, tenho especialização em fisiologia do exercício, trabalho na área, mudei minha vida econômica, eu pude comprar uma casa pros meus pais, tenho um carro, meus bens materiais. Então, além da vivência de conhecer uma parte do mundo, acho que o esporte para mim foi tudo. É vida", analisa. 

"Para ser sincera, eu não consigo me enxergar fora do esporte, fora do atletismo de Araraquara, fora da corrida. Não sei, acho que não existiria. Isso aqui é muito interligado, corrida, atletismo, esporte e Noeme, é uma coisa que se torna uma pessoa só, então não me vejo fora de tudo isso, acho que faz parte do sangue que corre em minhas veias. Como já falei, é minha vida", acrescenta.

Vida atual

Atualmente, Noeme reside no Parque Igaçaba com seus pais. Ela conta que o momento de pandemia não interferiu em sua preparação. "Para mim foi muito produtivo. Eu não parei de treinar, nenhum dia, continuei treinando, priorizei alguns outros treinos que são de fortalecimento muscular, mobilidade e flexibilidade. Aproveitei esse momento para dar uma recuperada, uma reciclada em termos de conhecimento e estudo. São três meses que estamos completando, para mim foi muito válido, não está tendo competição e eu continuo treinando corrida, com menos volume, menos intensidade, mas tentando manter, equilibrar algum desequilíbrio que estava tendo de força muscular, de alongamento, flexibilidade. Então está sendo válido esse momento", explana. 

Assim, ela aproveita o tempo sem competições para tentar se aprimorar cada vez mais. "Não adianta ficarmos questionando. Acho que temos que aproveitar as oportunidades. Se a oportunidade agora é ficar mais recuada, vamos aproveitar esse momento e fazer outras coisas. À vezes, com treinamento em época de competição, é uma loucura, competição todo final de semana, não dá tempo de ajustar um desequilíbrio muscular, então é o momento de fazer essas correções", analisa.

Por fim, Noeme revela uma meta dentro do esporte. "Eu tenho um sonho, que é correr uma maratona no tempo de 2h50m. Isso é um objetivo meu, tenho trabalhado para isso. E continuar correndo para sempre. Quem sabe até pensar em algumas ultramaratonas. O objetivo é continuar correndo e competindo sempre", finaliza a campeã.

Confira abaixo algumas fotos de Noeme Pereira.
 

 

 

Notícias relacionadas

Mais lidas