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Paulistão sofreu pausa por pandemia em 1918

Torneio foi paralisado em virtude da Gripe Espanhola que assolou o mundo naquele ano

Campeonato mais antigo do Brasil, o Paulistão é disputado sem interrupção desde 1902. Durante todo esse período, o torneio resistiu a momentos históricos, como epidemias, guerras e até rupturas entre os clubes que ocasionaram a divisão em dois campeonatos durante o mesmo ano em algumas ocasiões. Uma das edições mais emblemáticas da história do Campeonato Paulista se deu em 1918. Com desistência, pausa e definição apenas no ano seguinte, o torneio ficou marcado por acontecer em meio a crise da Gripe Espanhola.

O campeonato de 1918 se iniciou com 10 equipes: AA das Palmeiras, AA São Bento, Corinthians, Mackenzie, Minas Gerais, Palestra Itália, Paulistano, Santos, SC Internacional e Ypiranga. As partidas inaugurais foram disputadas no dia 7 de abril. No Parque Antarctica, o Palestra Itália recebeu o SC Internacional, enquanto o Corinthians enfrentava o Santos em seu recém-inaugurado Estádio da Ponte Grande. O Palestra Itália largou na frente ao vencer por 2 a 1, enquanto o confronto alvinegro ficou empatado por 2 a 2.

Curiosamente, na mesma data, o Paulistano enfrentava o Fluminense, no Rio de Janeiro, em uma espécie de torneio Rio-São Paulo, à época chamado Taça Ioduran, que reunia os campeões de cada estado no ano anterior. O time paulista levou a melhor, vencendo por 3 a 2.

O torneio estadual se desenrolou sem grandes problemas até o dia 30 de junho, quando Paulistano e Palmeiras se enfrentaram. A partida colocava frente a frente dois dos favoritos ao título – eram campeões e vice de 1917, respectivamente– e já carregava uma certa rivalidade. Em campo, o Paulistano abriu o placar com Zito. Heitor empatou para o Palestra Itália, mas antes do intervalo Friedenreich colocou o Paulistano novamente em vantagem. Na segunda etapa, o Paulistano teve um pênalti marcado a seu favor. O time alvirubro jogava com um a menos e tinha tido um gol anulado anteriormente.

Foi então que os atletas do alviverde partiram para cima do árbitro, como descreve o jornal Estadão, de 1º de julho de 1918. “Um novo ataque do Paulistano faz perigar o ‘goal’ do Palestra e Grimaldi commette um ‘hands’ na área perigosa, sendo justamente punido. Foi então que se deram as tristes ocorrências a que nos referimos. Todos os jogadores do Palestra , que haviam aplaudido o acto do juiz anullando o goal do Paulistano, se insurgiram contra elle, procedendo da forma mais condemnavel e despropositada”. A consequência da partida foi o abandono do Palestra Itália da competição.

Guerra, doença e paralisação

Em 1918, o mundo encontrava-se no meio da Primeira Guerra Mundial, iniciada em 1914, mas incapaz de parar a disputa do Campeonato Paulista. Estima-se que o conflito deixou cerca de 14 milhões de mortos entre militares e civis. A maior causa de letalidade no período, porém, foi em virtude da Gripe Espanhola, que abalou o mundo e deixou marcas até então nunca vistas por uma pandemia.

Causada pelo vírus Influenza A subtipo H1N1, a gripe recebeu o nome de Espanhola em virtude do país europeu, neutro na guerra, noticiar a doença -que era chamada de ‘Febre dos três dias’- ao contrário de outros países envolvidos nos conflitos que ocultavam a informação. Embora não se tenha notícia de onde tenha surgido, a doença tem o primeiro registro em Kansas-EUA, no dia 4 de março. De lá, se alastrou por todo o mundo, retornando fortemente aos Estados Unidos em agosto do mesmo ano.

No Brasil, estima-se que ela tenha chegado através do navio Demerara, em setembro de 1918. E foi principalmente através dos portos que a doença se disseminou, levada depois ao interior através do fluxo de pessoas e causando a morte de 35 mil brasileiros, sendo cerca de 6 mil na capital paulista.

O Paulistão seguiu disputado normalmente até o dia 6 de outubro, quando aconteceram as partidas Minas Gerais 0x5 Mackenzie e Santos 0x1 AA das Palmeiras. Conforme calendário divulgado em 3 de outubro, no dia 20 se enfrentariam Paulistano x SC Internacional, Mackenzie x Ypiranga e Minas Gerais x AA São Bento. As partidas, porém, foram canceladas em virtude da presença de autoridades que impediram a realização dos jogos mesmo com ingressos já vendidos. Apesar da proibição, os times entraram em campo com a presença dos torcedores nas arquibancadas, mas não fizeram os jogos programados.

No momento da paralisação, os participantes não haviam feito o mesmo número de jogos e a classificação por pontos perdidos era a seguinte:

AA das Palmeiras (3pp / 10J),
Paulistano (4pp / 9J);
Corinthains (5pp / 10J);
AA São Bento (5pp / 7J);
Santos (8pp / 13J);
Ypiranga (10pp / 9J);
Minas Gerais (17pp / 10J);
Mackenzie (18pp / 11J);
SC Internacional (20pp / 11J).

Retomada e o tri do Paulistano

Em 18 de novembro, a APEA se reuniu e definiu a volta do campeonato para 15 de dezembro, somente com jogos envolvendo equipes que ainda disputavam o título: Paulistano, Corinthians, AA das Palmeiras e AA São Bento. A tabela foi refeita e no dia programado Corinthians e Paulista golearam, respectivamente, AA São Bento e SC Internacional.

Separados por um ponto perdido, Corinthians e Paulistano se enfrentaram no dia 22 de dezembro. Mesmo jogando no Estádio da Ponte Grande, o Paulistano derrotou o adversário por 1 a 0, abrindo vantagem ainda maior sobre o alvinegro. O principal concorrente ao título passava a ser a AA das Palmeiras, que no mesmo dia venceu o Ypiranga por 1 a 0 e manteve a liderança.

Após a virada do ano, porém, a AA das Palmeiras empatou com a AA São Bento e perdeu para o Corinthians. Já o Paulistano perdeu para o Ypiranga, mas conseguiu vencer a AA São Bento. Já o Corinthians, que havia vencido o Ypiranga em 28 de dezembro, venceu também o SC Internacional, mantendo as chances de título.

No dia 19 de janeiro, a classificação mostrava a seguinte configuração:

AA das Palmeiras (6pp / 9J);
Paulistano (6pp / 11J);
Corinthians (7pp / 11J).

Os dois primeiros se enfrentavam, com vantagem para o Paulistano, que só tinha mais esse jogo a realizar e seria o campeão em caso de vitória. Já o Corinthians enfrentava a AA São Bento precisando torcer contra o alvirubro, já que um empate lhe dava a chance de decidir o torneio em um jogo-extra.

Em campo, o Corinthians comprovou o seu favoritismo, ao vencer sua partida por 4 a 1 na Ponte Grande. No Jardim América, porém, o Paulistano não tomou conhecimento da AA das Palmeiras e goleou por 7 a 0, com quatro gols de Friedenreich, artilheiro da edição com 25 no total.

A partida marcou o tricampeonato do Paulistano, que havia vencido em 1916 e 1917 e ainda ganharia em 1919, sendo o primeiro e único tetracampeão do futebol paulista.

 

Campanha do Campeão

21/04/18 Paulistano 7×3 Santos
28/04/18 AA São Bento 2×4 Paulistano
13/05/18 Paulistano 4×1 SC Internacional
26/05/18 Paulistano 7×1 Ypiranga
19/06/18 Paulistano 7×0 Mackenzie
30/06/18 Paulistano 3×1 Palestra Itália*
18/08/18 AA das Palmeiras 1×2 Paulistano
08/09/18 Paulistano 1×2 Corinthians
15/09/18 Santos 1×0 Paulistano
29/09/18 Paulistano 11×0 Minas Gerais
15/12/18 Paulistano 5×0 SC Internacional
29/12/18 Paulistano 3×0 Minas Gerais
05/01/19 Ypiranga 1×0 Paulistano
12/01/19 Paulistano 6×1 AA São Bento
19/01/19 Paulistano 7×0 AA das Palmeiras
Local: Campo do Paulistano, Jardim América.
Árbitro: Manoel de Freitas Pinto Júnior.

Paulistano: Cunha Bueno; Orlando e Carlito; Sérgio, Rubens Salles e Gullo, Alfredo, Mário Andrada, Friedenreich, Carlos Araújo e Carneiro Leão.

AA das Palmeiras: Tuffy, Morelli e Sestini; Duílio, Lapa e Nardini; Evándolo, Demósthenes, Nazareth, Dario e Barros.

Gols: Friedenreich (4), Carneiro Leão, Carlos Araújo e Mário Andrada.

*o Palestra Itália abandonou o campeonato após essa partida e teve seus jogos cancelados

(Texto: Ruben Fontes Neto/FPF)

 

 

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