por: Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação da FCF/Unesp
Uma preocupação que sempre esteve presente na rotina de quem utiliza cosméticos é a fórmula desses produtos, já que os consumidores buscam por soluções eficazes e, ao mesmo tempo, seguras. Em praticamente todos os cosméticos, são adicionados conservantes para manter a qualidade microbiológica desses produtos durante a fabricação, armazenamento e todo o período de uso até seu prazo de validade. Com isso, o usuário tem sua segurança garantida, pois essas substâncias são capazes de proteger contra vírus, bactérias e fungos que podem contaminar os cosméticos.
No entanto, embora os conservantes sejam utilizados em pequenas concentrações, eles são considerados um dos principais fatores causadores de alergias. Diante da grande variedade dessas matérias-primas e das diversas campanhas publicitárias que são feitas anunciando possíveis benefícios ou prejuízos gerados por essas substâncias, estudos aprofundados sobre o tema são essenciais, ainda mais depois da pandemia da Covid-19, que mudou alguns hábitos da população, a qual, por conta do longo período reclusa em suas casas, passou a ter mais tempo para se dedicar a outras questões, como a aparência, com a aplicação de diversos cosméticos.
Na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp, em Araraquara, cientistas se debruçam sobre o tema e estudam essas matérias-primas com o objetivo de contribuir para o debate mais aprofundado sobre seu uso. Uma pesquisa de doutorado defendida recentemente comparou a toxicidade de diferentes conversantes, entre eles, os parabenos, que nos últimos anos foram tirados de circulação por conta de alguns estudos que anunciavam que eles poderiam ser tóxicos, resultando na sua substituição por outros compostos. No entanto, para a surpresa dos pesquisadores, comparando os parabenos com essas outras substâncias utilizadas atualmente, constatou-se que eles ainda seriam mais seguros e menos agressivos.
“O que observamos em nossos estudos é que muitas das substâncias que substituíram os parabenos mostraram-se mais citotóxicas. Não que elas façam mal, até porque na dose em que são aplicadas não apresentam riscos, mas na comparação com os parabenos elas se mostraram mais agressivas”, explica Gabriela de Oliveira Prado Corrêa, autora da tese e ex-aluna da FCF. Intitulada Abordagem integrada de metodologias “in vitro” e “in silico” para avaliação da segurança de conservantes antimicrobianos utilizados em cosméticos, a pesquisa, que foi defendida em 2021, comparou o grau de toxicidade dos seguintes conservantes: propilparabeno, metilparabeno, fenoxietanol, mistura de metilcloroisotiazolinona e metilisotiazolinona, hidantoína, imidazolidinil ureia, dehidroacetato de sódio, álcool benzílico, cloreto de benzalcônio, caprilil glicol, benzoato de sódio e etilhexilglicerina.
‘Quando eu comecei esse trabalho estava em evidência o assunto dos parabenos, de que eles poderiam fazer mal. Hoje em dia, o marketing é intenso contra alguns produtos, principalmente aqueles que utilizavam parabenos, que são comprovadamente seguros e usados há décadas, mas que foram retirados das fórmulas dos cosméticos. Então, na pesquisa, investigamos esse tópico mais a fundo, pois os resultados até então nunca haviam sido conclusivos. Atualmente, com as redes sociais, a situação piorou ainda mais, uma vez que são muitas notícias a todo momento. Então, é importante informar a população com clareza”, complementa a cientista.
No trabalho, foram realizados testes in vitro com células da pele e dos olhos de coelhos com o intuito de avaliar possíveis irritações, além de análises in silico, com softwares que simulam e preveem resultados de eficácia e toxicidade de diversas substâncias. A partir de uma série de cálculos matemáticos realizados pelos pesquisadores, foi possível determinar as concentrações seguras para utilização de cada uma das substâncias, a fim de que as comparações fossem realizadas.
Marketing com responsabilidade
Segundo a professora Vera Isaac da FCF, que orientou Gabriela durante o doutorado, o uso de conservantes antimicrobianos alternativos e a afirmação “sem conservantes” em diversas embalagens tornaram-se populares no mercado de cosméticos nos últimos anos, muito por causa de alguns conceitos atuais dos consumidores de que um produto que contém conservantes pode representar risco maior do que aqueles que não utilizam essas matérias-primas. No entanto, os conservantes são essenciais para a manutenção da integridade do cosmético e segurança do usuário. Por isso eles são adicionados não apenas para proteger os produtos de uma possível instabilidade, mas também da contaminação por vírus, bactérias e fungos, que podem causar uma série de doenças.
“Os cosméticos possuem várias matérias-primas que são divididas em classes e, uma delas, é a de conservantes antimicrobianos, que são controlados por legislações nacionais e internacionais. Porém, para evitar esse termo, alguns deles são classificados em outra classe, mas na prática, seguem exercendo a mesma função. Então, muitas vezes não é correto quando o marketing propaga que determinado produto não possui conservantes, além de não mencionarem que eles são muito importantes. Pense na sua casa, se você não conservar uma série de itens e alimentos, eles irão estragar. Com o cosmético é a mesma coisa”, diz a docente.
A pandemia da COVID-19 intensificou o uso de cosméticos e aumentou a aplicação de ingredientes antimicrobianos como substâncias ativas em diversos tipos de produtos, tornando o debate sobre questões de segurança dos conservantes ainda mais atual, principalmente em um mercado que ultrapassou US$ 930 milhões em 2020 e deve crescer anualmente 7,85% até 2027. Considerando as mudanças de hábitos pós-pandemia entre os consumidores de cosméticos, é importante avaliar os possíveis impactos da COVID-19 na conservação de produtos cosméticos, tanto do ponto de vista da eficácia quanto da segurança dos conservantes antimicrobianos empregados. Um artigo que propõe essa reflexão foi publicado este ano pelas pesquisadoras da FCF no Journal of Cosmetics Science.
“Hoje estão em alta os cosméticos “naturais”, eu adoro, mas o público em geral muitas vezes não conhece todos os aspectos que envolvem a sua produção. Um grande alerta que devemos fazer é o perigo de se utilizar formulações sem conservantes. Espero que os consumidores pesquisem para não serem enganados. Nem sempre o natural é completamente seguro, então vale essa reflexão. Empresas sérias não têm problemas em realizar estudos robustos sobre o assunto, que, inclusive, custam muito caro, mas e outras empresas que não levam esse tema a sério, além das pessoas que fazem cosméticos em casa para vender, mesmo sendo proibido pela ANVISA? É importante ficar atento e se informar com fontes seguras”, finaliza Gabriela, que atualmente é pesquisadora na área de Segurança de Produtos no Grupo O Boticário e já conquistou vários prêmios enquanto era aluna da FCF, entre eles:
Melhor Apresentação em Painel da Pós Graduação pelo trabalho “Avaliação do potencial de irritação ocular “in vitro” do conservante antimicrobiano triclosan através do método HET-CAM”, concedido durante o VIII Congresso Farmacêutico da UNESP, em 2018; Menção Honrosa Miguel Malato no 32º Congresso Brasileiro de Cosmetologia, pela apresentação oral do trabalho "Avaliação de perigo e risco de conservantes cosméticos", oferecido pela Associação Brasileira de Cosmetologia (ABC), em novembro de 2020; e o 3º Lugar na categoria Oral pelo trabalho “Estratégia integrada para avaliação de dano ocular de conservantes cosméticos de acordo com a classificação GHS”, no 33º Congresso Brasileiro de Cosmetologia da ABC, em 2021.
Os estudos da pesquisadora contaram com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Boticário.