InícioNotíciasCoronavírusCovid: 300 mortes em 365 dias de pandemia em Araraquara

Covid: 300 mortes em 365 dias de pandemia em Araraquara

Retrospectiva conta dos primeiros casos ao lockdown e mostra como o município convive com um vírus cada vez mais letal

Em dezembro de 2019 em Wuhan, China, surgia um vírus que mudaria os rumos da história.
A Organização Mundial da Saúde, no início de janeiro de 2020, divulga que uma pneumonia de causa desconhecida já havia infectado 44 pessoas. O surto de uma nova doença, identificada como novo coronavírus ou Covid-19, se espalharia pelo mundo em pouco tempo.

Retrospectiva

Enquanto isso, a 18 mil quilômetros, em Araraquara, a secretária da saúde, Eliana Honain, conversava com o prefeito Edinho Silva sobre a possibilidade da chegada da doença ao Brasil, o que se confirmaria semanas depois. "Tínhamos que pensar em alternativas caso o vírus chegasse. Até aquele momento eu estava um pouco iludida, pensava que o governo iria restringir a entrada de estrangeiros, fazer algum controle".

No final de fevereiro, o primeiro caso de coronavírus foi confirmado em São Paulo. O paciente havia voltado de uma viagem à Itália, como muitos outros que acabaram trazendo o vírus. Em março de 2020, a transmissão do vírus já era realidade no Brasil. A Organização Mundial da Saúde declarava a pandemia da Covid-19.

Com casos do vírus na capital, o secretariado municipal se reuniu e o Comitê de Contingência do Coronavírus foi criado em Araraquara. Pacientes com sintomas gripais passaram a ser monitorados pelo comitê.

O Dr. Walter Figueiredo, do Serviço Especial de Saúde – SESA, considerando a evolução da doença em alguns países, pensou em possíveis estratégias, trabalhando em grupo com a secretaria da saúde. “Num primeiro momento, sem saber muito sobre a doença, tínhamos que realizar o enfrentamento a Covid. A testagem dos pacientes era fundamental para que as pessoas fizessem isolamento, assim como orientar a população em relação as medidas de proteção, uso de máscara, higienização das mãos, manter distanciamento”.

O Governo Estadual decretou quarentena no final de março: supermercados lotaram, estoques de máscaras N95 esgotaram e os profissionais de saúde enfrentaram a falta de material.

Araraquara

Os três primeiros casos de Covid em Araraquara foram registrados no dia 31, assim como a primeira morte. Com pouco mais de 37 respiradores na cidade, a prefeitura anunciou a implantação do Hospital da Solidariedade, ampliação de leitos, aquisição de materiais, e a UPA da Vila Xavier passou a ser polo de atendimento com espaço cedido pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, ao lado da unidade. A Unesp assumiu a testagem, agilizando os diagnósticos. Antes, as amostras de exames eram enviadas ao Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo.

No Hospital de Campanha, o contato com os primeiros internados pelo coronavírus angustiou os profissionais da saúde. "A doença destrói a pessoa, que tem muita dificuldade para respirar, os homens eram maioria nos casos de contaminação", diz a secretária Eliana.

Apesar do aumento gradativo de casos e óbitos, Araraquara enfrentou a pandemia durante o ano com alguma tranquilidade. Haviam leitos disponíveis, as pessoas já tinham máscaras, medidas de segurança foram adotadas pelo comércio e serviços e, a cada aumento, o comitê decretava restrições para que os casos não aumentassem. O índice de isolamento social era a preocupação e nunca passava de 40%. A cada feriado, os índices de internações aumentavam e o Plano São Paulo, criado pelo Governo do Estado, reclassificava a DRS (Diretoria Regional de Saúde) na fase laranja.

2021

De lá para cá, muito aconteceu: troca de ministros da saúde, aulas presenciais interrompidas, crise na economia, desenvolvimento e testes de vacinas, a possibilidade de reinfecção pela Covid-19 e a segunda onda de contaminação.

Em janeiro de 2021, a situação caótica que Manaus enfrentava, tanto no sistema de saúde quanto no sistema funerário, acendia o alerta vermelho ao restante do país. Em Araraquara, a chegada das primeiras doses da Coronavac trazia esperança aos profissionais da saúde e familiares de idosos, que seriam os primeiros vacinados.

O Comitê de Contingência do município já avisava, antes das festividades de fim de ano, que em janeiro os casos aumentariam se as pessoas não evitassem os encontros familiares. Em todos os boletins, a secretária Eliana Honain fazia, insistentemente, recomendações para que a população evitasse aglomerações. "Eu sabia que teríamos problemas, mas o aumento da contaminação fez com que a gente percebesse que algo estava diferente".

“Estratégias de enfretamento a pandemia foram tomadas, acompanhamento, monitoramento, tudo imaginando que talvez enfrentássemos dificuldades devido a taxa de isolamento na cidade, que não era boa. Talvez as medidas, inicialmente, evitaram uma explosão de casos no ano passado”, relembra o Dr. Walter Figueiredo. “Num determinado momento, as coisas pioraram. Começamos a pesquisar, pois haviam registros de variantes no país”.

Diante da situação e com recordes de casos confirmados e óbitos, o Comitê e o SESA enviaram amostras de exames de pacientes para o Instituto de Medicina Tropical em São Paulo. "O momento mais crítico foi quando eu soube, no início de fevereiro, que a variante de Manaus estava aqui. Nesse dia, tivemos que tomar duras decisões", relembra Eliana.

Edinho Silva, prefeito da cidade, comenta: “Nenhum governante esperava em algum momento ter que enfrentar uma pandemia como essa. Não existe um manual de como enfrentar uma pandemia, ainda mais de um vírus que a ciência ainda tenta entender. Ouvimos a ciência, as pessoas que pesquisam e trabalham, tivemos humildade para ouvir. E aprendemos a construir um caminho. O coronavírus de 2020 não é o mesmo de 2021”.

Colapso

A confirmação da cepa de Manaus trazia respostas ao Comitê de Contingência e explicava o aumento da transmissão e as faixas etárias atingidas. A variante P1 pode contaminar até 8 indivíduos. Antes das mutações, o vírus contaminava até 3.

A Prefeitura ainda tentaria endurecer mais as regras de isolamento social na semana de 15 de fevereiro, porém os leitos de enfermaria e UTI atingiriam 100% de ocupação em poucas horas.

Na manhã seguinte, chegavam informações daquela que seria considerada a pior noite registrada na UPA da Vila Xavier. O boletim daquela manhã, dramático, feito em frente a unidade, revelava o colapso da saúde diante de uma cepa que não escolhia faixa etária. "Não tinha mais onde colocar pacientes, e pediam pelo amor de Deus para que fizéssemos algo diante da situação. Decidimos que a estrutura deveria ser ampliada o mais breve possível", diz Eliana. O setor privado de saúde também estava colapsado, mesmo com a abertura de mais leitos.

O pavor de muitos era a realidade daquele momento em Araraquara.

Pacientes de todas as idades necessitavam de oxigênio ou precisavam ser entubados. "O agravamento do quadro do paciente começava com uma falta de ar muito grande, perdendo a consciência, e as lesões em órgãos surgiam por conta da falta de oxigenação. O pulmão de quem tem Covid fica "duro", ele não responde mais ao tratamento", explica Eliana Honain. Logo, a própria secretária também entraria para as estatísticas de contaminados pelo coronavírus.

O Dr. Walter Figueiredo segue estudando e acompanhando a variante P1. “Seguimos investigando se quem contrai a cepa de Manaus transmite por mais tempo. Será que a pessoa transmite por mais de 14 dias? Como a variante chegou aqui? Ainda não sabemos muito bem e tentamos entender. Hoje a grande prevalência de contaminação na cidade é por essa variante, cerca de 90%”.

Lockdown

O prefeito Edinho Silva fez lives naquela semana, onde pedia "consciência à população pelo amor de Deus". Os contaminados e os óbitos não diminuíam. “O mais importante era ampliar a infraestrutura. Essa mutação do vírus, muito mais agressiva e letal, surpreendeu o país”, diz.
Pacientes eram transferidos para hospitais em outras cidades e cerca de 80 pessoas já haviam morrido em fevereiro.

O lockdown foi a solução, baseada na ciência, para que o sistema de saúde conseguisse se reorganizar.

Edinho afirmou que a população colaborou: “Araraquara me encheu de orgulho ao conseguirmos se unir com essas medidas difíceis, com setores que estão sofrendo tanto. Infelizmente não tem uma linha de crédito no país para as pequenas e médias empresas, já falei isso para os deputados federais e senadores”.

A retomada gradual de algumas atividades aconteceu depois de 1 semana. A medida foi muito questionada e, ao mesmo tempo, elogiada pelos munícipes.

Os resultados do isolamento foram os esperados: diminuição da contaminação. A medida tomada em Araraquara virou exemplo para outras cidades.

Futuro

Perguntado sobre o futuro, Dr. Walter diz que ainda teremos que conviver com a doença: “Os reflexos dessa pandemia são muito sérios. Temos que continuar com todas as medidas de higiene e isolamento. Monitorar casos, buscar vacinas. Não existe tratamento precoce: existe medida preventiva. A vacina é a melhor medida preventiva que temos, e temos que vacinar o máximo possível, para que a gente consiga conviver com a doença assim como convivemos com a influenza, com vacinas anuais, por exemplo”.

Já a secretária da saúde Eliana é enfática: "Tudo vai depender do isolamento social, da vacinação disponibilizada. Quanto mais a vacinação demorar no país, mais variantes podem aparecer. Vamos conviver com o coronavírus durante muito tempo".

Perdas

“Perda é sempre perda”, afirma o prefeito Edinho. “Fico chateado quando alguém perde o emprego, quando microempresários fecham portas, tudo isso é muito difícil. Não há nada que agrida mais do que saber de alguém que faleceu. Visitando o hospital, soube da morte de alguém que fez parte da minha vida, que conhecia a família. Tudo é muito difícil e precisamos estar unidos para salvar o maior número de vidas”.

A secretária da saúde, Eliana Honain, perdeu a prima e seus tios, todos vitimados pelo coronavírus: “Me entristeceu muito ver outros pacientes com o estado de saúde se agravando rapidamente. Minha prima tinha 49 anos, aguardava um leito e quando conseguiu, não deu mais tempo. Ela não tinha mais condições de ser transferida e faleceu”.

“Eu sofri uma perda e isso acaba chocando muito. Se não fosse a doença, muitas vidas não teriam sido perdidas. É uma questão importante. Perder vidas através de uma doença que apareceu assim não é natural. Não podemos deixar de tomar medidas que devemos tomar. É muito penoso. Observo que a doença se aproxima muito das famílias, todos conhecem alguém que faleceu ou perdeu alguém. Aí as pessoas entendem que a doença é uma coisa séria”, lamenta o Dr. Walter Figueiredo.

Mais de 300 vidas foram perdidas na batalha contra o coronavírus em Araraquara. Profissionais da linha de frente testemunharam mortes de conhecidos e parentes. Famílias foram destruídas.

Em respeito a todas as pessoas que se foram, o pedido é o mesmo, há 365 dias: fique em casa.

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