Ao se relacionar com a obra A Boba, pintura criada entre 1915 e 1916 por Anita Malfatti, o performer Wagner Schwartz percebe as cores da bandeira nacional brasileira e, a partir dessa constatação, confronta a ideia de nação. Em suas palavras "por aqui, aprendemos, coercitivamente, que o sentimento de liberdade não deve ultrapassar o peso do próprio corpo, para não perturbar o sono da maioria. E confesso que, neste momento, preciso realizar o funeral de um dogma, de uma depressão cívica, de uma ideia constrangedora de nação”.
Durante um passeio, fim de tarde de domingo, um amigo e eu conversamos sobre o trabalho de Anita Malfatti. Ele me apresenta A Boba, pintura criada entre 1915 e 1916, ao longo da estadia da artista nos Estados Unidos — umas das criações mais contundentes do modernismo brasileiro, como também o clímax de sua produção expressionista. Esta é uma fase em que a pintura de Anita, pessoal e intuitiva, absorve motivos sólidos e duradouros — influência da arte africana.
Quando A Boba chega ao Brasil, parece estar em descompasso com a cidade natal da artista, mesmo que, segundo Anita, “São Paulo não seja uma cidade nem de negros, nem de brancos e nem de mestiços; nem de estrangeiros e nem de brasileiros; nem americana, nem europeia, nem nativa; nem industrial, apesar do volume crescente das fábricas; nem um entreposto agrícola, apesar da importância crucial do café. É, enfim, uma Babel invertida”.
Seu pensamento assombra os corredores dos Estados Unidos do Brasil — importunando as conversas inocentes no jardim —, onde a questão social se tornou um caso de polícia.
A crítica é perversa: “Paranoia ou mistificação? Seduzida pelas teorias do que ela chama de arte moderna, penetra nos domínios de um impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a serviço duma nova espécie de caricatura”.
Anita toma a liberdade de pintar a seu modo.
Durante um telefonema, início da manhã de segunda-feira, um curador europeu e eu conversamos sobre A Boba, criação que tem início em setembro de 2018. Digo a ele que, para a construção deste espetáculo, passo a frequentar o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, de cujo acervo o quadro de Anita Malfatti faz parte. Uma fotógrafa registra a primeira visita. Nas imagens, parece que a figura central da pintura e eu nos conhecemos.
Faço confissões. Fazemos selfies, também. Não sei se o curador tem conhecimento, mas, em português, A Boba forma um palíndromo, e pode ser lida tanto da direita para a esquerda quanto da esquerda para a direita.
Quando olho para o quadro, percebo as cores da bandeira brasileira, como também as manchas vermelhas, que compõem o espaço onde ela tem sido hasteada. Digo ao curador que, por aqui, aprendemos, coercitivamente, que o sentimento de liberdade não deve ultrapassar o peso do próprio corpo, para não perturbar o sono da maioria. E confesso que, neste momento, preciso realizar o funeral de um dogma, de uma depressão cívica, de uma ideia constrangedora de nação.
Preciso tomar a liberdade de fazer a meu modo.
Serviço
Espetáculo A Boba – Festival Internacional de Dança de Araraquara
Dia: 28/9, sábado
Horário: 20h
Local: Teatro
Classificação: livre
Grátis
Retirada de convites a partir das 9h30 do dia do espetáculo.
Limitado a 2 ingressos por pessoa.