O dia 10 de junho é especial para a história do esporte de Araraquara. Foi nesta data, no ano de 1951, que foi inaugurado o Estádio da Fonte Luminosa, um dos mais tradicionais palcos do futebol brasileiro.
Com uma rica história marcada por jogos memoráveis, ídolos lendários, espetáculos inesquecíveis e públicos eufóricos, a "casa" da Ferroviária completa 70 anos em um momento em que está impossibilitada de receber o público por conta da pandemia da Covid-19.
Entretanto, as boas lembranças do local inspiram a projeção de dias melhores e a certeza de que ainda vem muita emoção por aí!
Construção
O Estádio Dr. Adhemar Pereira de Barros teve sua construção iniciada em 1950, graças à persistência de Antônio Tavares Pereira Lima, engenheiro da Estrada de Ferro Araraquara (EFA) e fundador da Associação Ferroviária de Esportes, clube que foi instituído oficialmente em 11 de abril de 1950. Em novembro do mesmo ano, os veículos de comunicação de Araraquara foram convidados para conhecer a estrutura e as obras do local, que na ocasião acabava de receber terraplenagem e começava a ter sua grama plantada.
A construção se deu em tempo recorde e em 1º de abril de 1951, o clube enviou um telegrama ao Vasco da Gama convidando o clube carioca para participar da inauguração marcada para 10 de junho. No texto, o diretor afeano Alberto Lemos ofereceu uma bonificação de cem mil cruzeiros e o pagamento dos custos da viagem de avião e estadia em Araraquara. A resposta veio por telegrama no dia seguinte, com a confirmação por parte do clube cruzmaltino.
No dia 8 de junho, o estádio ficou pronto. Na mesma data, a delegação vascaína, repleta de atletas integrantes da Seleção Brasileira vice-campeã da Copa realizada no ano anterior no Brasil, desembarcou na cidade e se instalou no Hotel São Bento. Com um estádio novo em folha e com um grande esquadrão do futebol brasileiro na cidade, os jornais da época noticiavam o evento como "a mais sensacional tarde esportiva de todos os tempos".
A inauguração
Apesar de toda a festa e das arquibancadas lotadas com milhares de torcedores que se empolgavam com o novo complexo esportivo da cidade, o que se viu dentro de campo foi uma atuação tranquila do time carioca, que vinha entrosado e repleto de estrelas da época, contra uma equipe recém-montada que dava seus primeiros passos no futebol.
O primeiro gol da Fonte Luminosa foi marcado por Friaça, que fez outros três gols na goleada por 5 a 0, placar que foi complementado por Tesourinha. O placar, no entanto, foi o que menos importou para o público, que passou a sonhar com momentos gloriosos no futebol.
Vale destacar que a Ferroviária já havia feito seu jogo inaugural no mesmo ano de 1951, no dia 13 de maio, quando venceu a Mogiana por 3 a 1 no Estádio Municipal, e também já havia estreado no Campeonato Paulista da Segunda Divisão. O amistoso contra o Vasco ocorreu na folga entre primeira e segunda rodada do estadual.
Primeiro gol afeano
Após a inauguração, a Fonte Luminosa passou por mais alguns ajustes e a Ferroviária realizou mais alguns jogos no Estádio Municipal. O retorno ao novo palco se deu no dia 8 de agosto, data em que a Fonte Luminosa recebeu seu primeiro jogo oficial, válido pela 10ª rodada do estadual. Contra o Barretos, a Locomotiva marcou seu primeiro gol em sua nova casa. A honra foi de Dirceu, que estufou a rede duas vezes no triunfo por 2 a 1.
O nome e o apelido
O novo estádio araraquarense recebeu o nome oficial de Dr. Adhemar de Barros, que era um dos políticos mais influentes da época, que na ocasião acabava de concluir seu mandato de governador de São Paulo. A homenagem se deu pela estreita relação do político com a EFA. A lembrança de Adhemar de Barros também é explicada por ele ter construído o conjunto de 200 casas da Vila Ferroviária, que até hoje norteiam o estádio.
Já o apelido de Fonte Luminosa foi dado pela proximidade com a primeira Estação de Tratamento do Departamento Autônomo de Água e Esgoto (DAAE), onde o chafariz luminoso já chamava a atenção como um dos principais cartões postais da cidade. Vale destacar que a Avenida Bento de Abreu, apelidada de 'Fonte' pelos araraquarenses, só foi asfaltada no final da década de 50, quando passou a contar com maior fluxo de pessoas, portanto não tem ligação com o apelido do estádio.
Fonte realmente luminosa
Apesar do apelido, a Fonte só se tornou realmente 'luminosa' no final da década de 50. Em 8 de outubro de 1958, em um duelo de aspirantes, a Ferroviária superou a Ponte Preta por 3 a 1, na primeira partida noturna que marcou a pré-inauguração dos refletores.
Em 15 de abril de 1959, aconteceu a inauguração oficial do sistema de iluminação e a diretoria grená convidou justamente o Vasco da Gama para participar da festa. Dessa vez, com a Locomotiva embalada com um time que viria a terminar na terceira colocação do Paulistão, o jogo terminou empatado por 3 a 3.
Maiores goleadas
No ano de 1955, a Ferroviária atingiu uma marca memorável em sua história. Pelo Campeonato Paulista da Segunda Divisão, a Locomotiva bateu o Velo Clube de Rio Claro por 15 a 1, com sete gols marcados por Cardoso. As duas façanhas, a goleada do time e o número de gols do meia-direita, até hoje não foram superadas pelo time.
Porém as meninas foram ainda mais longe. Pelo Campeonato Paulista Feminino de 2013, as Guerreiras Grenás do então técnico Douglas Onça golearam Botucatu por 19 a 0, placar que se tornou o mais elástico da história do estádio.
Pelé sofria na Fonte
Maior jogador de futebol de todos os tempos, Pelé dedicou quase toda sua carreira ao Santos, time pelo qual jogou durante 18 anos e marcou 1091 gols. E foi com a camisa do Peixe que o Rei do Futebol visitou Araraquara nas oportunidades em que jogou contra a Ferroviária pelo Paulistão.
Entretanto, apesar de todo seu brilho, ele não possui retrospecto favorável nos duelos realizados na Fonte Luminosa. Pelé atuou no estádio em 13 ocasiões, onde ocorreram quatro vitórias do Santos, sete da Ferroviária e dois empates. Dos 22 gols santistas marcados na Morada do Sol nessas partidas, o Rei marcou nove, enquanto a Locomotiva estufou as redes 25 vezes. Os números comprovam o que dizem os antigos torcedores sobre a dificuldades que os times, inclusive os grandes, encontravam em enfrentar a Ferroviária em Araraquara naquele período.
Amistoso internacional
A Fonte Luminosa também recebeu outro jogo histórico no dia 9 de junho de 1968, quando recebeu o Napoli da Itália em um amistoso onde levou a melhor por 4 a 0, com três gols de Zé Luiz e um de Bebeto. Naquela época, a torcida esbanjava orgulho por acompanhar uma equipe que encarava de igual para igual qualquer time e por isso atingiu marcas até hoje muito expressivas no futebol estadual.
Aquisição da Fonte Luminosa
Apesar de ter o estádio como sua casa, a Ferroviária não era proprietária do local. No final da década de 1960, a Federação Paulista de Futebol passou a exigir uma capacidade maior para o público e a substituição das arquibancadas de madeira. O clube passou a se preocupar, pois poderia gastar com reformas no local que não fazia parte de seu patrimônio. Em 1967, ocorreu a junção das ferrovias, que ficaram sob a tutela do Estado. Algumas outras denominações foram criadas, dentre ela a FEPASA, que passou a ser a detentora do complexo da Fonte Luminosa.
Em janeiro de 1973, a diretoria afeana reuniu esforços e conseguiu comprar o Estádio da Fonte Luminosa. As negociações foram comandadas pelo então presidente afeano José Wellington Pinto, que alinhou tratativas com o deputado araraquarense Aldo Lupo e governador Laudo Natel para a aquisição do local. No dia 29 de janeiro de 1973, foi assinado no Palácio dos Bandeirantes o acerto da venda e a Ferroviária passava a ser proprietária de toda a estrutura, agora sim livre para investir nas melhorias do complexo.
Posteriormente, com a venda do zagueiro Mauro Pastor ao internacional no final da década de 1970, o clube conseguiu construir os 'ferrões' de concreto. Na década seguinte, o clube investiu nas cadeiras cativas e na melhoria das cabines de imprensa.
Recorde de público
Vale destacar que na época da inauguração do estádio, os veículos de comunicação não costumavam informar o público presente nas arquibancadas, por isso não se sabe ao certo o número de pessoas que acompanharam aquela partida. Oficialmente, o maior público presente em um jogo da Fonte Luminosa foi registrado no confronto entre Ferroviária e Palmeiras pelo octogonal final do Paulistão de 1993. Na ocasião, 19.421 presentes (18.051 pagantes) viram de perto o gol de Edmundo, que deu a vitória por 1 a 0 ao Verdão, que seria o campeão daquela edição do estadual.
Outros eventos
O estádio também foi palco de outros eventos fora do âmbito esportivo. Em 25 de outubro de 1970, o araraquarense Victório Truffi realizou o primeiro voo de balão da América do Sul ao decolar do gramado da Fonte Luminosa durante o intervalo de um jogo entre Ferroviária e São Bento. O estádio também recebeu shows musicais, bingos para arrecadar recursos para o clube e até rodeio.
Outro evento tradicional realizado por muitos anos na Fonte foi a Encenação da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, que chegou a atrair públicos superiores a 20 mil pessoas.
Fonte municipal
Por conta do alto número de dívidas do clube, o Estádio da Fonte Luminosa correu o risco de ir a leilão em 2004. Na cidade já circulavam rumores de que o local seria demolido para dar lugar a um empreendimento imobiliário.
Foi quando o prefeito Edinho Silva, em seu primeiro mandato, comandou uma negociação que envolveu a venda do antigo Estádio Municipal para o Clube Araraquarense e a compra do Estádio da Fonte Luminosa pela Prefeitura. A ação serviu para pagar dívidas do clube, que já havia dado sinais de uma nova mentalidade com a implantação do clube-empresa em 2003.
A remodelação
Entre o final de 2006 e o início de 2007, Edinho apresentou um projeto de reforma do estádio para o Ministério dos Esportes. Em 2008, no final do seu segundo mandato, foi feita a licitação e começaram as obras para que o estádio fosse transformado em uma arena multiuso. Parte da estrutura antiga foi demolida e o estádio foi praticamente reconstruído. O parque aquático e a quadra em frente ao estádio também foram remodelados.
Nesse período de obras, a Ferroviária mandou seus jogos inicialmente em Taquaritinga e depois no recém-inaugurado Estádio Cândido de Barros, no Jardim Botânico.
Durante a tramitação do projeto, até 2008, R$ 20 milhões foram liberados pelo Governo Federal e outros R$ 5 milhões foram adquiridos para a obra junto ao Funcef. A Prefeitura, que em 2009 já era gerida por Marcelo Barbieri, complementou mais R$ 2 milhões.
Inauguração da arena
No dia 22 de outubro de 2009, 21.254 pessoas compareceram ao novo estádio para acompanhar a vitória da Ferroviária sobre o Ituano por 2 a 1, pela Copa Paulista.
O número de torcedores instaurou um novo recorde de público no local, que recebeu uma grande festa de inauguração.
O lateral-esquerdo afeano Fernando Luís fez o primeiro gol da nova arena. Daniel Faria empatou para o Ituano, mas Joel marcou o gol da vitória grená, para alegria da torcida.
Novas emoções
Desde sua reinauguração em 2009, não faltou emoção aos araraquarenses amantes do futebol. A Ferroviária, que ficou quase duas décadas longe da elite estadual, conquistou o título da Série A2 em 2015 e neste ano de 2021 completou sua sexta participação seguida na Série A1. Jogos memoráveis como a vitória sobre o Corinthians em 2017 por 1 a 0 pelo Paulistão e o empate por 3 a 3 com o Fluminense pela Copa do Brasil ainda geram boas lembranças nos afeanos. As classificações para as quartas de final do Paulistão em 2019 e em 2021 (este último sem torcida) também mostram que o time está no caminho certo.
Outros momentos de emoção aconteceram na Copa Paulista, principalmente nos anos de 2016 a 2018, quando a Locomotiva disputou três finais seguidas, todas decididas nos pênaltis, e conquistou o título da Copa Paulista de 2017. Isso sem contar as competições de base como a Copa São Paulo de Juniores, onde grandes atletas começaram a aparecer para o futebol.
O estádio araraquarense também se tornou a maior opção para os grandes clubes que perdem seus mandos de campo na capital. Corinthians e Palmeiras foram os clubes que mais atuaram na Fonte, que entre esses jogos recebeu dois clássicos: empate entre Corinthians e Santos por 1 a 1 pelo Brasileirão de 2013 e o empate por 0 a 0 entre Palmeiras e São Paulo pelo Paulistão de 2020.
Palco das Guerreiras Grenás
Nos anos seguintes à inauguração da nova arena, o time feminino, na época gerido pela Fundesport, mandava seus jogos no Estádio do Botânico, ficando para a Fonte Luminosa apenas as partidas decisivas. Em 2010, o time chegou às semifinais do Campeonato Paulista e desde então passou a mandar todos seus jogos na Fonte.
A evolução da equipe dentro de campo foi evidente com um trabalho que começou a ser coroado em 2013, quando as Guerreiras Grenás comemoraram o título paulista na Fonte Luminosa, o quarto estadual de sua história. No ano seguinte, o estádio e a força da torcida foram fundamentais nas conquistas da Copa do Brasil e do Campeonato Brasileiro, título que voltaria a conquistar em 2019. A equipe também se tornou referência na modalidade com as conquistas da Copa Libertadores da América de 2015 e 2020. Além disso, inúmeras jogadoras afeanas passaram pela Seleção Brasileira e seguiram caminhos de sucesso no exterior.
O futebol feminino também proporcionou à Fonte Luminosa sua primeira partida de Seleção Brasileira, quando o Brasil superou o México no dia 15 de dezembro de 2019 pelo placar de 4 a 0, com dois gols de Cristiane, um de Debinha e um de Victória. Na ocasião, a Seleção da técnica Pia Sundhage atuou com a goleira afeana Luciana e com a atacante araraquarense Bia Zaneratto entre suas titulares, e com a meia-atacante afeana Aline Milene, que entrou no segundo tempo.
Assim, seja no futebol masculino ou no feminino, a Fonte Luminosa reúne lembranças marcantes e a expectativa de que muitos talentos voltem a brilhar o mais rápido possível no gramado que é marcado por muita tradição e orgulho.
Fontes: Alessandro Bocchi, Antônio Jorge Moreira, Museu do Futebol e Esportes de Araraquara, Vicente Baroffaldi, Luis Marcelo Inaco Cirino e Tetê Viviani.
Confira baixo fotos do arquivo do fotojornalista Tetê Viviani.