Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriram que a regeneração dos músculos promovida pelo exercício físico aeróbio é mediada por mudanças no consumo de oxigênio das células satélite – um tipo de célula-tronco do tecido muscular. O achado pode ajudar na recuperação de lesões e no combate à perda de massa muscular associada à idade.
Trabalhos anteriores já mostravam que o exercício com sobrecarga, como a musculação, era capaz de induzir o aumento no número de células satélite. No treinamento físico aeróbio, contudo, o tecido conhecidamente aprimora sua capacidade, mas mecanismos de reparo associados às células satélite não haviam sido estudados.
O grupo da USP observou que as atividades aeróbias promovem uma desejada expansão das células satélite e desvendou importantes alterações metabólicas por trás do fenômeno. A investigação foi conduzida durante o pós-doutorado de Phablo Sávio Abreu Teixeira, com apoio de bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Verificamos que há uma redução do consumo de oxigênio nas células satélite, diferentemente do que ocorre no restante do tecido muscular, onde o exercício eleva a demanda de oxigênio. É a primeira vez que se consegue observar como o exercício aeróbio influencia o metabolismo das mitocôndrias dessas células, e o efeito disso na regeneração muscular”, explica Abreu à Agência Fapesp.
Mecanismo
Para entender o mecanismo, o pós-doutorando conduziu uma série de experimentos com animais no Instituto de Química da USP, sob supervisão da professora Alicia Kowaltowski, que se dedica ao estudo das mitocôndrias desde os anos 1990 e integra a equipe do Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma). Os achados foram publicados no Journal of Cachexia, Sarcopenia and Muscle.
“Descobrimos ao menos parte dos mecanismos que levam ao aprimoramento da regeneração do músculo, e conhecê-los é o primeiro passo para um dia conseguir interferir nesse processo”, comenta Kowaltowski à Agência Fapesp.
A pesquisa foi realizada em fases, a partir de experimentos com camundongos divididos em dois grupos. Parte deles foi submetida a uma bateria de exercícios aeróbios, na esteira, por um período de cinco semanas, e parte permaneceu sedentária.
Ao fim do período de treinamento, os pesquisadores fizeram testes para verificar se os animais submetidos ao programa de exercícios haviam de fato aprimorado sua capacidade aeróbia. Depois, os tecidos musculares de ambos os grupos foram lesionados, etapa em que se observou que os músculos exercitados haviam aprimorado sua capacidade regenerativa.
“Primeiro, observamos que os animais treinados tinham mais fibras musculares recentemente formadas, além de menor deposição de tecido fibroso e menos sinais de inflamação. Assim, confirmamos que o tecido muscular dos animais exercitados era de fato mais bem reparado”, conta Abreu.
Alterações
Após identificar que os músculos haviam aprimorado sua capacidade de reparo, o próximo passo foi investigar as alterações ocorridas em células satélites isoladas desses animais exercitados. Proteínas que regulam a progressão da célula quiescente (adormecida) e a sua ativação, para que ocorra a autorrenovação ou a diferenciação, estavam aumentadas nessas células. “Além disso, elas demonstraram retardo na diferenciação, o que confirmou nossos achados”, continua Abreu.
Como explica o pesquisador, as células satélite no indivíduo adulto são responsáveis por regenerar e preservar o tecido muscular. Para isso, permanecem em quiescência, um estado de dormência que mantém a homeostase do tecido. Durante toda a vida, elas serão ativadas frente a alguma lesão ou desgaste, como no exercício físico ou na lesão induzida por Abreu nos camundongos de laboratório.
A partir daí, parte delas se diferencia para formar células que vão compor o tecido, parte inicia um processo de autorrenovação, que dá origem a novas células satélite para que esse ciclo continue acontecendo.
“Essas células se ativam constantemente, mas com o passar do tempo podem entrar em fadiga e parar de se autorrenovar – fenômeno observado nas distrofias e quando há perda de massa muscular, como na caquexia e na sarcopenia”, comenta Abreu. “Se temos mais células renovadas, significa que temos mais células aptas a regenerar o tecido”, acrescenta.
Abreu verificou que o exercício mantém a capacidade de regeneração do tecido muscular e contribui para a recuperação das lesões. E, por fim, mediu o gasto de oxigênio nas células satélite dos roedores submetidos ao treinamento, em busca de respostas sobre o que levava àquele comportamento. “O surpreendente é que elas consomem menos oxigênio, como se ficassem mais econômicas”, conta.
A descoberta contradiz a hipótese inicial dos pesquisadores, que acreditavam que, uma vez que o músculo aprimora sua capacidade oxidativa com o exercício aeróbico, e as células satélite ficam ancoradas na superfície do tecido musculoesquelético (daí o nome satélite), elas também aprimorariam sua capacidade aeróbia.
Papel das mitocôndrias
O processo de respiração celular ocorre nas mitocôndrias, estruturas celulares que, há até pouco tempo, se imaginava serem apenas responsáveis pela produção de energia para o organismo. “Nos últimos anos, descobrimos cada vez mais como elas estão envolvidas em diversos processos”, destaca Kowaltowski.
Para confirmar se o consumo de oxigênio das mitocôndrias realmente era o causador da autorrenovação das células satélite, Kowaltowski e Abreu fizeram mais dois testes: mimetizaram o efeito de diminuição do consumo do oxigênio com medicamentos em culturas in vitro e, num segundo momento, transplantaram as células exercitadas em animais sedentários.
A redução de consumo de oxigênio nas células estudadas in vitro foi capaz de melhorar a autorrenovação das células-tronco. No transplante, não houve mudança no número de células reparadas, mas aconteceu uma diminuição da inflamação, um achado sugestivo de melhor recuperação do músculo.
A ideia agora é investigar os efeitos da diminuição do consumo de oxigênio mitocondrial e as vias envolvidas na autorrenovação das células satélite. “Em suma, precisamos entender por que ao inibir a respiração celular aumentamos a recuperação muscular”, comenta a cientista.
Pode ser que, no futuro, seja possível replicar esse fenômeno para tratar a perda de massa muscular relacionada à idade e a problemas como o câncer e envelhecimento, um processo que ainda é, muitas vezes, irreversível.