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O Plano e a hipocrisia

Câmara suprime item que trata de educação em direitos humanos, gênero e diversidade sexual do Plano Municipal de Educação após pressão religiosa

Se pudesse, desenharia. Mas vou tentar ser entendido fazendo o que me permite esse espaço: escrevendo.

Na
página 78, o Plano Municipal de Educação, elaborado por representantes
legitimamente eleitos pela Secretaria (ou não?), ou seja, pelo Conselho
Municipal de Educação, passa a tratar das propostas para EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. Vou transcrever: “Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos,
de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano
de vigência deste Plano, para as populações do campo, da região de menor
escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e
igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.”

A
seguir, define estratégias para cumprir a meta acima. Entre elas, o
item 8.8 apresenta que é preciso “assegurar o acesso a materiais
didático pedagógicos específicos e diferenciados, contextualizados às
realidades socioculturais para professores e alunos, contemplando a educação
para as relações étnico-raciais, educação em direitos humanos, gênero e
diversidade sexual, educação ambiental, educação fiscal, arte e cultura
nas escolas para a educação básica, respeitando os interesses da população urbana e do campo”.

Esse
trecho provocou um rebuliço maior do que qualquer indignação sobre a
fome na África, a violência urbana, a corrupção ou a falência da
educação causaram recentemente.Temas para os quais o Papa Francisco não
se cansa de convocar os católicos sobre isso, mas parece que não está
sendo atendido. Torço para que ele não desista.  

A polêmica se
baseou em uma desinformação – isso é preocupante. O tal artigo 8.8 é
absolutamente claro: a meta foi definida como estratégia para o programa
de educação de jovens e adultos. Qual a dúvida, senhores e senhoras?

Mesmo
assim, 16 (dezesseis) vereadores, de um total de 18, assinaram um
documento pedindo a retirada desse item como moeda de troca para
aprovação do PME. Se isso partisse do Pastor Raimundo, entenderia, mas
até vereadores que se dizem progressistas engrossaram o coro (não é Édio
Lopes?). A Edna Martins, cujo atual partido, o PV, ocupa a Assessoria especial de políticas para diversidade sexual, também pediu a retirada do item. Incoerência ou conveniência?

O
defensor da família, vereador Buchechinha, disse que meus colegas de
trabalho e eu somos mentirosos e que nos falta credibilidade.
Credibilidade tem o senhor, que não sabe se apóia o governo ou fica na
oposição. Assinou e retirou assinatura de uma CEI, elegeu-se pelo PR,
mudou-se para o SDD, não sabe em que galho fica.

Araraquara
acaba de assistir um momento claro de oportunismo eleitoral. Talvez não
apenas pelo resultado da votação, mas pela forma como as coisas
aconteceram. Por mais que alguns defendam legitimamente que a escola não
debate tais assuntos, muitos vereadores agiram por mero pragmatismo
político e cálculo eleitoral. Afinal, quem toparia criar indisposição
com grupos religiosos e perder votos sagrados?

 

Não posso encerrar a discussão sem lançar outras perguntas e considerações:

– Conselho Municipal tem mais ou menos legitimidade do que a Câmara para elaborar o PME?


A escola deve se omitir sobre a questão de gênero (ou o nome que
quiserem dar), fingir que não há gays ou transsexuais dentro e fora de
seus muros?

– Alguém pode me explicar o que quis dizer o senhor
Sylvio Zabisky Neto, que ocupou a Tribuna da Câmara para se opor ao item
8.8 e soltou a seguinte perola: “a Ideologia de Gênero não seja teoria
de defesa dos homossexuais, mas insistiu na destruição da família, que
tem amostragem televisiva, pois ninguém sabe quem é o pai do Chaves e da
Chiquinha”. (Texto enviado pela assessoria de imprensa do Legislativo).

– Todos os gays, lésbicas, travestis e afins que
conheço têm pais, mães, irmãos, primos e quaisquer outros consaguineos,
salvo as exceções que se aplicam aos heteros também (ou não tem hetero
órfãos ou solteiros?). Não podem, portanto, ser considerados
representantes das famílias araraquarenses?  

– Questionaram
de modo agressivo as supostas cartilhas sobre o assunto, mas não vejo a
mesma indignação contra a ausência de professores, situação muito mais
nociva para a educação dos nossos filhos. Também não vi a mesma revolta
contra o péssimo material didático oferecido pela rede estadual de
ensino (dei aulas muitos anos na rede estadual comprando do meu bolso o
livro didático para lecionar, pois as tais cartilhas de Sociologia,
Geografia e Filosofia, por exemplo, do governo não chegavam nunca).

– O item 8.8 também tratava de “educação para as relações étnico-raciais, educação em direitos humanos“. Tudo isso foi suprimido. E aí, fica por isso mesmo?

 

Para
encerrar: a Oração Pela Família foi entoada ao final da sessão pelos
que estavam no Plenário e aplaudiram o resultado. A música, de autoria
do Padre Zezinho, é um hino ao amor e não deve ser usada pela alimentar o
ódio e o preconceito. Para quem, assim como eu, admira a obra dele,
recomendo um trecho de outra canção de sua autoria: “Eu sei que a
religião também pode enganar/ Não há libertação se eu não me questionar /
A vida é uma questão / O amor é uma resposta…”  

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