Gosto filmes e livros que representem violência. Artistas como Tarantino, Michael Mann, Rubem Fonseca, Irmãos Coen, Marçal Aquino e Veronica Stigger fazem muito minha cabeça.
Mas violência ao vivo e a cores me apavora.
Há alguns meses, fui com minha namorada à rodoviária para almoçar e para que ela comprasse uma passagem com destino a Ribeirão Preto. Enquanto atravessávamos o saguão rumo ao guichê, dois moradores de rua iniciaram uma briga. O motivo da contenda parecia ser uma dívida.
Um deles, o mais forte, derrubou o outro ao chão e começou uma sequência de socos. O barulho dos golpes que atingiam a cabeça do rapaz ecoava pelo enorme recinto. Muita gente olhando. Ninguém interveio, talvez pelo medo de tornar-se o novo alvo daqueles punhos ensandecidos. Parecia uma luta de MMA, dessas que a gente vê na TV, só que sem juiz.
Eu, paralisado.
Depois de cinco minutos de espancamento e gritaria, surgiu, finalmente, um segurança, que quase não conseguiu separá-los. O “lutador” derrotado ficou estendido no piso, ofegante. Saí dali com o estômago revirado, perguntando-me como seria o cotidiano daquelas pessoas, muitas vezes, invisíveis, que só são vistas nessas circunstâncias.
Essa situação absurda me veio à cabeça depois de ver Projeto Flórida, filme em que as personagens representadas, tal como aqueles dois anônimos, vivem sempre no limite.
Todos os dias, Moonee (Brooklyn Prince), uma agitada garotinha, e Halley (Bria Vinaite), sua mãe, acordam sem saber se terão café da manhã, almoço ou jantar, e, principalmente, dinheiro para pagar o aluguel do quarto de hotel onde vivem. Quando se esgotam as possibilidades, apela-se para a prostituição, para a venda de produtos importados a preços módicos nas portas dos hotéis e para o furto de ingressos de turistas desavisados. Tudo isso ao lado da Disney World. Moonee e Halley estão, ao mesmo tempo, muito próximas e extremamente distantes das maravilhas prometidas pelo parque do Mickey e do Pateta.
No conto “Fevereiro ou março”, de Rubem Fonseca, o protagonista narrador diz: “Ouvi dizer que certas pessoas vivem de acordo com um plano, sabem tudo o que vai acontecer com elas durante os dias, os meses, os anos. Parece que os banqueiros, os amanuenses de carreira e outros homens organizados fazem isso”. Assim como ele – que tira seus parcos rendimentos da doação de sangue e de bicos numa academia de ginástica –, Moonee e Halley não sabem o que será delas ao fim do mês ou do ano, não conseguem afirmar sequer se estarão juntas, já que Halley está em liberdade condicional e precisa comprovar que possui rendimentos para continuar com a guarda da filha.
É a mesma condição em que se encontram os dois homens engalfinhados no chão sujo da rodoviária: não possuem controle nenhum sobre o que vai acontecer nas próximas horas. Além da falta de plano, ainda correm o risco de esbarrar na barbárie de quem não vive, mas sobrevive.