Nos anos 70, enquanto vigorava no Brasil o regime militar, o escritor Rubem Fonseca lançou Feliz Ano Novo, livro de contos cujas histórias, ambientadas no Rio de Janeiro, são permeadas pela violência. A obra teve um estrondoso sucesso de público e crítica, mas não escapou da implacável censura dos militares. Mais tarde, já liberado, a obra se tornaria referência pela abordagem crua da violência aguda que transpassa as relações sociais do Brasil contemporâneo.
Rubens Fonseca antecipou por meio da ficção o que a realidade tornaria banal pouco tempo depois. No Brasil do século XXI, o número de mortos pela violência urbana atinge cerca de 60 mil anualmente. O Rio de Janeiro, cenário de suas histórias, é o mais emblemático caso para se compreender as causas de tamanha tragédia.
O abismo social que separa os mais abastados do grande número de miseráveis eleva a tensão social e, consequentemente, a violência. Onde prolifera a pobreza, a falta de estrutura urbana e a falta de instituições públicas, vigora a lei dos mais fortes. A milícia, o tráfico e a polícia se enfrentam numa guerra interminável que vitima, além dos seus quadros (militares, inclusive), milhares de civis inocentes todos os anos. Na chamada “Cidade Partida”, termo cunhado pelo jornalista Zuenir Ventura na primeira metade dos anos 90, morro e asfalto parecem assistir imobilizados a ação do crime organizado.
Nesse ponto, o fracasso do estado na implementação de políticas públicas é mais um agravante. O fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP`s), programa que ostentou um princípio exitoso para a retomada de territórios dominados pelo tráfico, é resultado de uma gestão corrupta e ineficiente. Desde o lançamento, sabia-se que uma educação de qualidade e um plano de desenvolvimento urbano seriam tão necessários quanto a presença policial.
Se na crônica literária a ausência de final feliz é, muitas vezes, considerado prova de talento do autor, na vida real não dá pra achar isso bonito. Em ano de eleições para presidente e governadores, além de deputados e senadores, que o caso do Rio de Janeiro seja observado com atenção. Mais investimento em cultura e educação gera mais igualdade de oportunidades. Ações públicas de saneamento e mobilidade urbana tornam a vida nas periferias menos duras. Finalmente, a política pública de segurança precisa ser pensada na via dupla da prevenção e do combate. A omissão do estado segue custando muitas vidas.