O diário que despertou meu interesse por jornalismo foi o extinto Notícias Populares. Meu pai o comprava para deixar à disposição dos fregueses que frequentavam seu bar. O NP foi conhecido por manchetes como "esbagaçou o bebê na parede" e "matou a mulher a socos". Tinha o apelido de "jornal de sangue" – desnecessário explicar o motivo.
Mesmo falecido – teve suas atividades encerradas em 2001 -, continuou fazendo escola. O sensacionalismo estilo Gil Gomes (impossível não mencionar o clássico telejornal Aqui Agora) evoluiu para as perseguições ao vivo narradas na hora do café da tarde por José Luiz Datena e, hoje, para os smartphones de qualquer cidadão de bem. Ao menor sinal de sofrimento alheio, todos estão atentos para captá-lo e repassá-lo em todos os grupos de Whatsapp que a visão possa alcançar.
No domingo à noite, assisti, pela segunda vez, ao filme O abutre, que conta a história de Louis Bloom (interpretado por Jake Gyllenhaal), sujeito que ganha a vida em Los Angeles realizando pequenas trapaças. Seus dividendos diários aumentam quando ele resolve entrar para o ramo do jornalismo sensacionalista, gravando vídeos de acidentes e crimes brutais recém acontecidos. Depois de registrá-los, realiza a venda para emissoras de TV, que os transmitem logo cedo, no primeiro jornal do dia. Assim, os telespectadores no primeiro jornal do dia. Assim, os telespectadores podem ir trabalhar devidamente saciados.
O grande responsável pelo sucesso do filme (além do diretor Dan Gilroy) é Gyllenhaal. Bloom possui um olhar opaco, esvaziado de qualquer sensibilidade e cheio de frieza que só as pessoas que ficam conectadas à internet 24 horas por dia podem ter. É difícil definir quais são seus objetivos. Dinheiro? Poder? Luxúria? Seja qual for sua meta, ele manipula e, quando necessário, elimina qualquer um que se coloca no seu caminho. Jogar sujo é seu passatempo favorito.
O abutre é uma fiel representação da realidade em que vivemos. Tudo acontece ao vivo e simultaneamente, de facada na barriga de político a ameaças de morte a jornalistas em redes sociais. Se ainda existisse, talvez o Notícias Populares não fosse páreo para tamanha brutalidade