Concordo com Wim Wenders: vivemos numa época saturada de imagens – o diretor alemão diz isso no documentário "Janela da alma" , de João Jardim e Walter Carvalho. Vejo uma das consequências dessa realidade na sala de aula. Com a melhor caligrafia possível, espalho na lousa a matéria do dia (técnica arcaica, mas, talvez, ainda eficaz). Poucos copiam. A maioria prefere fotografar o conteúdo com o celular.
A velocidade com que as imagens se apresentam à nossa vista fez com que perdêssemos a capacidade de observação. Com relação a tal rapidez, no livro "Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente" , Timothy Snyder elabora uma metáfora interessante. Segundo ele, a transmissão de quadro a quadro acontece com tanta velocidade e tamanha urgência que é como se fôssemos atingidos por uma onda atrás da outra, sem conseguir ver o oceano.
Talvez isso explique uma geração insensível ao que acontece à sua volta. Para eles, sujeitos como Carlos Drummond de Andrade são imbecis. Se meu iPhone é de última geração, que relevância tem a contemplação de acontecimentos do cotidiano?
O que vou dizer agora talvez choque o pessoal que usa o Instagram somente para fazer fotos na frente do espelho: toda fotografia esconde uma narrativa, por isso, é necessário olhá-la mais do que os três segundos que comportam a visualização e o toque no botão virtual em forma de coração.
Há alguns meses, descobri o trabalho do fotógrafo Raymond Depardon. Uma de suas fotos, pertencente à serie intitulada "Glasgow" , chamou tanto minha atenção que acabou virando tema do meu perfil no Facebook. Pelo menos uma vez por semana vou até ela. Não sei se conseguirei, mas vou tentar explicar o motivo de minha fissura.
Ali, vemos três habitantes da cidade escocesa que dá nome à exposição: uma senhora e dois senhores. Estão sentados no chão, em meio a certa sujeira, encostados num muro. O cenário é cinzento, paleta de cores bonita e fria, algo parecido com o visual sombrio do filme "A bruxa".
Um dos homens tenta tomar a garrafa que está na mão da mulher. Ela, por sua vez, olha para a câmera. O sujeito posicionado entre os dois esconde o rosto nas mãos. Não sabemos se ri, se chora ou se não quer ter a face capturada pelo dispositivo.
Relativamente bem vestidos, não parecem moradores de rua. Talvez sejam pessoas que, mais uma vez, não resistiram à tentação e acabaram sucumbindo ao alcoolismo. Perderam o último resquício de otimismo, como aquele personagem tchekoviano que ganha um milhão no cassino, vai para casa e se suicida.
Porém, como eles próprios devem saber, poucos se interessarão por suas histórias. Numa época em que as aparências filtradas pelo Instagram é que importam, só mesmo imbecis como Drummond e Depardon dariam ouvidos às suas narrativas secretas.