A obra de Carlos Drummond de Andrade costuma ser dividida pelos estudiosos em três fases. Na primeira, vê-se um poeta mais afeito aos acontecimentos do cotidiano; na segunda, um eu lírico mais combativo, atento aos problemas sociais que o cercam; na terceira, temos um Drummond menos engajado, mais filosófico e observador.
Em termos de comportamento, é nesse último que tenho me inspirado. Diferentemente de 2014, período em que me envolvi em discussões diversas, tento mais observar a opinião do outro do que expor a minha. Claro, observar não significa ficar alheio a tudo e a todos. Continuo, na medida do possível, como professor e cidadão, tentando me informar da melhor maneira que posso.
O método de leitura dos acontecimentos que adotei é o de consumir textos escritos por gente que considero equilibrada num momento em que a gritaria impera. Assim, fujo das redes sociais (ambiente altamente emotivo) e vou para blogs e colunas como os mantidos por Eliane Brum, no "El País" , e Pablo Ortellado, na "Folha de S. Paulo".
Alguém poderá dizer que são jornalistas tendenciosos. De fato, representam boa parte da minha visão de mundo. Mas, diferente de outros que possuem a mesma opinião que eu em assuntos diversos, a mesma opinião que eu em assuntos diversos, escrevem com o cérebro oxigenado e sempre se permitem ao exercício da autocrítica. Na atual semana, ambos publicaram textos que talvez sirvam de base para o que digo.
Pode parecer exagero, mas, para mim, todas as crônicas publicadas pela Eliane beiram a genialidade analítica, perspicácia essa sempre acompanhada de fluidez textual. "Mulheres contra a opressão" é um belo exemplar detentor de tais qualidades. Ali, Brum nos convida a refletir sobre o que é democracia: basicamente, aceitar o pensamento alheio, mesmo que ele esteja travestido dos piores preconceitos. Ou seja, se Bolsonaro representa a opinião de muitas pessoas, nada mais justo que elas votem nele.
Uma pena que, certamente, poucos eleitores do capitão reformado se prestarão a ler um dos pontos altos do artigo: dizer que o número 17 será digitado em nome de possíveis mudanças é um tremendo engano. O candidato à presidência do PSL representa a violência que está aí há muito tempo, brutalidade ostentada por coronéis que se impõem na base da bala.
Lendo a análise da escritora, lembrei-me de um trabalho que realizei na universidade em 2013, cujo tema era a violência narrada em contos de Guimarães Rosa. É só ler "A hora e vez de Augusto Matraga" para ver o tipo de chefia que vê em Bolsonaro seu carrochefe. "Ah, mas aquilo é ficção, coisas inventadas." chefe. "Ah, mas aquilo é ficção, coisas inventadas." Nada disso. O enredo é fictício, mas a matéria-prima é real. Guimarães Rosa mergulhou naquele mundo para coletá-la.
Invariavelmente, vê-se uma infinidade de insultos a quem veste a camisa do bolsonarismo. Pablo Ortellado, na sua mais recente crônica ("Não é o que parece"), escreve que, mais do que vociferar contra os eleitores do deputado simpático ao autoritarismo e avesso ao conhecimento, deve-se tentar entender os motivos que levam grande parcela do eleitorado a votar nele. Sim, há razões históricas. O Brasil é um antro de preconceitos enraizados. Mas, como explicar que um candidato afeito ao discurso anti-acadêmico tenha a maioria de seus votos concentrada em pessoas com diploma de nível superior?
Independente do resultado dessa eleição, o bolsonarismo é uma realidade com a qual teremos de conviver. Para decifrá-la e não sermos por ela devorados, talvez a leitura silenciosa do "Claro enigma" do poeta de Itabira seja uma boa saída.