Escrevo já sabendo quem foi o eleito.
Preciso fazer um mea culpa: acabei saindo de um grupo de família. Após o resultado final, alguns dos membros compartilharam fotos de armas de fogo. Não dei conta. Talvez eu tenha sido um mau perdedor que não soube lidar com a derrota. Ou talvez eu esteja indignado com as ameaças que muitos amigos têm sofrido nas ruas.
O que mais me empolgou nesse dia foram pessoas votando com seus livros favoritos. Sendo fanático por eles e consumidor compulsivo, achei o máximo. Infelizmente, saí de casa para votar sem olhar as redes sociais. Estava apenas com meu Kindle, para o caso de enfrentar uma possível fila – o que não aconteceu.
Pensei o dia todo sobre qual volume levaria. Gosto desses exercícios no estilo “o que levar para uma ilha deserta”. Sim, eu sei: é uma coisa boba. Ainda assim, ocupei bastante minha cabeça com mais essa inutilidade.
Nos últimos tempos, li bastante as “Formas breves” do escritor argentino Ricardo Piglia, misto de crônicas, anotações sobre leituras e ensaios literários que me ajudou muito na análise de textos para o ingresso no doutorado (será que ainda haverá bolsas?). Além disso, a leitura é sempre prazerosa, já que me interesso muito pelo estilo de literatura que diz muito com pouco. Pensei que talvez fosse uma boa escolha.
Mais para o final da tarde, depois de ter almoçado com minha família (optei pelo lado que tem as mesmas posições políticas que eu), concluí que faria mais sentido escolher um título do meu escritor favorito, coletânea que também se encaixa na categoria das formas breves.
Difícil dizer quantas vezes já li os contos de “Feliz ano novo”, do Rubem Fonseca. Ainda no Ensino Médio (será que continuará a ser presencial?), me deparei com “Passeio noturno”, história de um empresário que sai com seu carro pelas ruas do Rio de Janeiro em busca de pedestres que possa atropelar para aliviar o stress de um dia de trabalho. Já na faculdade, conheci o conto que tem o mesmo nome do livro: numa noite de réveillon, três assaltantes invadem uma casa e praticam as mais diversas barbaridades com as pessoas ali presentes. Como já disse o escritor Sérgio Rodrigues, Fonseca apontava com uma bazuca para um futuro que apresentaria uma sociedade mais bizarra que o Godzilla (será que o monstro chegou?).
O que mais me fascinou (e ainda fascina) é a técnica do narrador para contar os fatos com detalhismo e rapidez extremas. Para quem foi educado pelos filmes de ação da Sessão da Tarde e do Intercine, um prato cheio.
Lançado em 1975, período de ferrenha censura conduzida pela ditadura militar (será que ainda continuará a ser assim chamada?), o livro foi tirado de circulação. Segundo os censores, devido à quantidade de palavrões, atentava contra a moral e os bons costumes. Foi liberado somente na década seguinte.
Com toda a certeza, essa teria sido a melhor escolha (será que os livros ainda serão permitidos?) que eu poderia ter feito para a votação (será que…?).
Fica para uma próxima.