Um amigo me perguntou se eu jogo futebol. Ele e outros boleiros amadores se reúnem semanalmente na quadra de uma das escolas aqui da Vila Xavier. Respondi que não só já joguei como também quis seguir carreira. Hoje, só assisto.
Sim, eu sei. Não levo jeito. Nem mesmo pareço gostar do assunto. Ao contrário: gosto muito. Meio por cima, acompanho as principais ligas do Brasil e da Europa. Páginas esportivas estão entre as mais digitadas na barra de busca do meu computador.
Confesso: jogava mais pela paixão que pelo talento. Sempre era o último escolhido, a opção derradeira quando não havia nenhuma outra. Me identifico com Danger Barch, personagem do excelente “Menina de ouro” – pouco talento, muito coração. Se tivesse vingado, poderia participar de um “Arquivo confidencial”. A singular e sofrida história de Murilo, o insistente.
Lembro-me de coisas que parecem relacionadas à vida de outra pessoa. Como os domingos em que levantava cedo para jogar no Ginásio da Pista. Passava a semana recrutando amigos e colegas de colegas, correndo atrás de uma simbólica reserva de uma das quadras e procurando alguém que pudesse levar a pelota.
Em Matão, joguei muito tempo no Guarani – nada a ver com o campineiro, mas sim com o bairro matonense. Às terças, quadra. Quintas, treino no campo. Sábados, jogo contra algum time da cidade ou da região. Durante esse período, o treinador sempre foi o Lazinho. Sou testemunha de como ele tentou transformar esse rapaz de canelas finas em um jogador pelo menos mediano.
Pobre coitado. De certo, decepcionou-se. Pelo lado direito, joguei em quase todas as posições. Lateral, meia, ponta. Minha melhor fase foi como volante. O pior: além de ruim, sempre fui desastrado. Nessa época, usava aparelho. Uma vez, ao tentar subir para cabecear uma bola espirrada para o alto, um mal intencionado (vulgo Xandela) fez uma cama de gato. Desequilibrei-me, caí sentado e cravei a estrutura buco metálica no joelho. Fim de jogo, pois o sangue era muito.
Tenho na memória o lance exato que me fez pendurar as chuteiras. Claro, um novo acidente dental.
Treino de quadra. Betinho, um desses não raros bons canhotos, vinha com a redonda bem dominada pela direita. Eu era o último homem da defesa. Sabendo que a perna boa era a outra, imaginei que seria mais fácil desarmá-lo – difícil tarefa, pois o rapaz tinha técnica apurada.
Ledo engano. Betinho mandou um petardo com a perna dita ruim, do meio da rua. A bola veio girando, cortando o ar, feito um míssil. Só tive tempo de virar o rosto. O efeito foi o mesmo de um cruzado. Senti a parte interna da bochecha direita grudar nas peças do aparelho fixo. Fui até o banheiro, descolei a carne e bochechei muito até que a água saísse com uma coloração menos vermelha.
Nem me despedi do Lazinho. Estava decidido a nunca mais voltar e, de fato, não voltei. Se continuasse, talvez não tivesse mais dentes.
Minha mãe diz que, vira e mexe, encontra o velho treinador pela rua. Teve um derrame, anda com dificuldade. Não exerce mais o ofício de que tanto gostava.
Certamente continua vendo os jogos do campeonato amador nos domingos de manhã. Consigo imaginá-lo, entre outros senhores, sentado num dos bancos de madeira próximos ao alambrado, dizendo que antigamente os jogadores não eram molengas como os de hoje. Algo com que concordo plenamente.