Um dos fatores que me causam ansiedade é o uso não produtivo que faço do meu smartphone em alguns momentos. Nesse pequeno dispositivo, sempre conectado à internet, posso ler livros pelo aplicativo do Kindle, ver filmes e vídeos pela Netflix ou pelo YouTube, ouvir músicas no Spotify e escrever textos no caderno de notas. O problema é que, às vezes, todas essas facilidades caem no esquecimento. Pensar ou consumir arte é menos atrativo que ver fotos no Instagram.
Estou tentando não criar neuras desnecessárias com relação a informações impressas ou digitais. Sempre dei muito valor ao jornal de papel. Fui assinante durante muito tempo. Tive que rever meus conceitos, muito por causa das minhas finanças. Atualmente, recebo jornais em casa apenas nos fins de semana. Nos outros dias, leio o digital. Não é tão ruim, admito.
Hoje, momento em que escrevo esse texto, é quinta-feira, dia de Jânio de Freitas, Juca Kfouri e Contardo Calligaris, colunistas que integram minha galeria de favoritos (Sérgio Rodrigues está de férias). Todos eles, de alguma maneira, refletem minha visão de mundo, principalmente nesses dias em que a razão é item raro.
Já ouvi gente gabaritada dizendo que Jânio é petista e está caduco. Que absurdo. Recomendo o texto de sua autoria publicado nessa quinta, dia 3, uma lúcida defesa do papel da imprensa (com críticas) num novo (?) e conturbado momento político.
Mas foi o texto de Contardo que me fez cometer minha primeira crônica do ano. Ele analisa o seguinte tweet do presidente Jair Bolsonaro (que busca se assemelhar até no uso dessa rede social ao indefensável Donald Trump): "Uma das metas para tirarmos o Brasil das piores posições nos rankings de educação do mundo é combater o lixo marxista que se instalou nas instituições de ensino. Junto com o Ministro da Educação e outros envolvidos vamos evoluir em formar cidadãos e não mais militantes políticos".
Calligaris traz suposições (o descabimento de alguém estudar a revolução cubana em Cuba, por exemplo) em defesa de uma formação de cidadãos críticos, justamente o contrário do que escreveu o responsável pelo gerenciamento da conta de Bolsonaro no Twitter.
A leitura que faço (bem menos apurada, mas parecida com a de Contardo) encontra um problema em "formar cidadãos e não mais militantes políticos". Quando ele diz querer não haver mais membros de militâncias, entendo que esse cidadão que espera formar é o mais do mesmo: pessoas que não questionam, indivíduos que não pensam por contra própria e aceitam tudo o que lhes é imposto.
Enquanto professor, posso dizer que não é necessário tomar nenhuma medida, pois é tudo o que já está aí. A grande maioria dos alunos não tem disposição para ler ou refletir sobre algo. Querem interpretações prontas. Criar suas próprias visões a respeito do que serviu de matéria-prima para a feitura de um livro é bobagem.
O que Bolsonaro parece querer formar são novos bois para compor a boiada. Aqueles gados de sempre, que se colocam em frente à TV para ver o Domingão do Faustão e esperar a hora de ir dormir porque amanhã é segunda; que aceitam tudo o que é trazido pelas correntes de Whatsapp; que começarão a demonizar e denunciar pessoas que têm certos livros em suas casas – como aqueles que, envenenados pela propaganda política, entregaram judeus para serem exterminados pelos nazistas.
Perguntaram o que achei do discurso de posse. Não dá pra levar a sério alguém que combate o socialismo num país em que os banqueiros lucraram como nunca nos últimos anos. Não quero entrar na onda do "eu avisei" ou do "torcer pra dar errado". A única coisa pela qual torço é que arrumemos tempo para ler mais livros e ver mais filmes em 2019; que cada obra de arte consumida, tanto nas mídias convencionais quanto nos smartphones, nos ajude a ter uma visão mais lúcida do que acontece ao nosso redor e evite que sejamos apenas mais um gado a compor a boiada.