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Resenhas

"Gosto de ler resenhas. Talvez elas tenham sido as responsáveis por eu ter decidido cursar Letras, não Engenharia"

Eu gostaria que isso fosse crônica séria, como as escritas pelo Jânio de Freitas, autor de análises políticas certeiras, profundas, trágicas.

Tivesse nascido cronista habilidoso, converteria em texto cristalino toda minha indignação com aqueles que comandam o país, minha revolta com as pessoas que os escolheram para estar lá. Perguntaria: tinha que ser os mais imbecis, escrotos, racistas, homofóbicos, estúpidos, mancomunados com milícias, adoradores de torturadores?

Não posso. Sem poética para criar algo que atinja leitores discordantes. Se isso aqui tivesse a intenção de ser uma análise política, o tiro sairia pela culatra. Aqueles que discordam de minhas opiniões discordariam mais ainda, não reconheceriam o erro que cometeram. Por isso, ao invés de me meter em seara que não domino, escolho assunto nada sério.

Gosto de ler resenhas. Talvez elas tenham sido as responsáveis por eu ter decidido cursar Letras, não Engenharia. Gosto mais ainda quando o crítico vai além da estrutura, faz conexões improváveis, engenhosas, barrocas com outras obras de arte, o que pode transformar corriqueiro texto jornalístico em peça antológica.

Como a concebida por Inácio Araújo na Folha de S. Paulo sobre o documentário Cine Marrocos, direção de Ricardo Calil, vencedor do festival É Tudo Verdade, filme sobre antigo cinema da capital paulista ocupado por sem-tetos, refugiados, imigrantes que reinterpretam cenas de longas exibidos ali no passado.

Quando penso na figura do crítico, me vem à cabeça o protagonista de Um crime delicado, romance de Sérgio Sant’Anna. Sujeito sisudo, formal, implacável em suas análises, avalia até o par de meias que usará em cada ocasião.

A análise de Araújo é, sim, técnica, mas humana na mesma medida. Seu olhar transpõe a forma, encontra poesia nas ações praticadas por aqueles “atores” errantes que vagam entre escombros, conecta-se com a atualidade.

Colo trecho que encerra o exame:

"É enfrentando todos esses obstáculos que o cinema encontra a passagem para chegar ao seu fim: mostrar a verdade que está no fundo das coisas. Ao sair do cinema, arrastando seus pertences, esses pobres ex-moradores expõem bem a ruína do Cine Marrocos, que coincide bem tristemente com a ruína de uma nação. Certamente é atroz. Talvez seja uma obra-prima."

Boa decisão não falar sobre política, talvez.

Luis Antônio
Luis Antônio
Jornalista. Formado em Ciências Sociais e Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Estudos Literários. Apresentador e editor do Jornal da Morada, da Rádio Morada FM 98,1
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