Semana passada, numa aula de semiótica, discutiu-se os percalços inerentes à leitura de Hjelmslev: qualquer artigo com menos de dez páginas escrito por esse dinamarquês é tão desafiador quanto um calhamaço de mil. Além disso, há o problema da fonte. Livro curto, "Prolegômenos: a uma teoria da linguagem" é editado, no Brasil, pela Perspectiva, casa famosa por dificultar a vida de leitoras e leitores – como se não bastasse o alto nível de erudição do autor, a tipografia é minúscula.
Por isso, alunas, alunos, professor e professora que participavam dessa disciplina de pós-graduação resolveram patentear o "grau Hjelmslev" de leitura, medida que, numa escala de zero a dez, determina a dificuldade de fruição de um texto. Um livro de Sidney Sheldon, por exemplo, teria entre um e dois pontos, enquanto publicações de Theodor W. Adorno seriam classificadas com valores próximos ao máximo.
Há, porém, um antídoto que não cura, mas alivia o sofrimento de quem lê. Com o Kindle, é possível manipular e diminuir as agruras causadas por textos indecifráveis. Confesso que, muito apegado à quantidade de papel que diminui numa mão e aumenta na outra, demorei para aceitar sua economia baseada na porcentagem de leitura. Mas, para quem precisa ler muita coisa em pouco tempo, o e-reader é uma grande, confortável e produtiva mão na roda, ou, como disse Ricardo Piglia ao ser presenteado com o dispositivo, uma máquina de ler.
Se o modelo escolhido for o Paperwhite, o controle de luminosidade da tela garante que os olhos não se cansem. Há também a possibilidade de modificar o tamanho e o tipo da fonte (Bookerly 7, minha preferida), mandando às favas a crueldade imposta pela Perspectiva (que ainda não oferece versões digitais dos volumes que compõem seu catálogo).
Há exceções. Muitos dizem que o mais importante num livro é o conteúdo. Em "Opsanie swiata", da Veronica Stigger, talvez isso não funcione, já que o suporte impresso imita um diário recheado de documentos (cartas, recortes de jornal, cardápios, panfletos, mapa) recolhidos durante uma viagem, dando à materialidade da obra certa importância. "O grifo de Abdera", do Lourenço Mutarelli, também é outro caso: há mescla de literatura e história em quadrinhos e o tabletinho da Amazon não é boa alternativa para artes que primam pela imagem.
No caso de "Prolegômenos", até que a editora responsável tome providências, possível saída é a compra de uma lupa, o que não é garantia de que as ideias de Hjelmslev serão entendidas.
Aliás, segundo comentaram alunas, alunos, professor e professora daquela disciplina de semiótica, é possível que seus textos sejam imunes até mesmo ao charme do Kindle.